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Encontrado em Naque marcas da histórica construção da EFVD, fragmento de alta relevância para a memória local

Poucos sabem que a atual Estrada de Ferro Vitória a Minas, nasceu em 1890 com o nome de Estrada de Ferro Vitória-Peçanha e mais tarde, Estrada de Ferro Vitória-Diamantina, ou EFVD, e que seu projeto original ligaria o litoral capixaba, à Estrada de Ferro Central do Brasil na cidade histórica dos diamantes.

Em 1890, empreendedores mineiros e capixabas idealizam uma estradada de ferro do litoral à região do Alto Jequitinhonha – Foto: Acervo particular

Na virada do século XIX para o XX, a região do Vale do Rio Doce não passava de uma densa floresta cujas terras cobiçadas pelos colonos abrigava os bravios índios botocudos, pertencentes ao tronco macro-jê (grupo não tupi).

O então investimento de empresários mineiros e capixabas visava a conexão comercial entre a região centro-norte mineiro e o litoral capixaba, especialmente os portos na capital do Espírito Santo, Vitória.

O audacioso projeto ferroviário interligaria o Atlântico à malha ferroviária da EFCB, pertencente à Rede Ferroviária Federal S/A, que ligava a cidade de Araxá, a Oeste, a Montes Claros ao Norte, passando por Corinto, Curralinho e Pirapora. O cenário oferecia todos os ingredientes para que o projeto se tornasse promissor: escoamento de mercadorias do Alto Jequitinhonha para os portos em Vitória e no sentido inverso, abastecimento da região com produtos importados da Europa e EUA; abundância de madeira de qualidade ao longo do traçado da linha, que favoreceria sua exploração, bem como madeira para os dormentes e lenhas empregadas nas locomotivas a vapor; terreno relativamente plano às margens do Rio Doce até o povoado de Naque; a tendência latente de povoamento e desenvolvimento agropecuário nas terras férteis do Vale do Rio Doce e a perspectiva de um crescente fluxo de passageiros.

Diamantina, destino da nascente estrada de ferro no final do século XIX – Foto: Augusto Riedel – Arquivo Instituto Moreira Sales

Estação de Nack

Na confluência do Rio Santo Antônio com o Doce, a E.F. Vitória Diamentina constrói a estação de Nack (Naque), onde dali a linha desviaria do Rio Doce e seguiria margeando o Santo Antônio na direção da cidade dos diamantes, no Alto Jquitinhonha.

Na época, a navegação na confluência dos rios Santo Antônio e Doce era intensa, onde a produção agrícola do Médio e Baixo Santo Antônio escoava para o Rio Doce com destino a Figueira, (Governador Valadares) e outras comunidades ribeirinhas. O reconhecimento da importância estratégica do local levou os responsáveis pela construção da ferrovia a construir uma estação de nome Nack, em referência ao povo indígena Nacna-nuc que povoou a região nos primórdios. Na localidade, diversos armazéns foram construídos, fazendo dali um importante entreposto de mercadorias, na perspectiva de que a ferrovia facilitaria o transporte até então realizado por vias fluviais.

Na confluência do Rio Santo Antônio com o Doce, no povoado de Naque, os trilhos deixariam as margens do Rio Doce e subiriam margeando o Rio Santo Antônio até Diamantina – Foto: Acervo EFVM

Vestígio

Tal fato, relatado em literaturas sobre a história ferroviária brasileira, que durante muitos anos permaneceu no imaginário das pessoas, sem que um único vestígio sequer pudesse comprovar materialmente que o traçado original da Vitória a Minas levaria seus trilhos até a terra dos diamantes, foi encontrado em 2015 pela reportagem da revista Caminhos Gerais, mais de um século depois. O inusitado achado, resultado de uma sucessiva investigação historiográfica, ocorreu nas imediações da atual cidade de Naque. Ali, na pequena cidade à margem da BR-381, há 260 quilômetros de Belo Horizonte, o antigo traçado da ferrovia encontraria à margem do Rio Santo Antônio, um maciço de granito, sendo necessário abrir um corte para o assentamento da linha. A perenidade da referência histórica encontrada, deve-se à sua própria natureza, de ser um corte feito na rocha. Provavelmente os demais vestígios em terra, se desfizeram com a erosão ao longo dos anos, porém, é possível reconstituir o traçado, seguindo o limite da caixa de enchente do Rio Santo Antônio, que orientou os construtores na locação topográfica.

 

Margeando o Rio Santo Antônio, nas imediações do povoado de Nauqe, um corte é aberto na rocha, na localidade conhecida como Baixada Diamantina – Foto: Mário de Carvalho Neto

Segundo relato de descendentes dos antigos moradores de Naque, toda a população do povoado trabalhava na construção da ferrovia.

O corte na rocha permaneceu anos a fio sem que que sua história fosse contada no contexto da construção da Estrada de Ferro Vitória a Minas, num dos mais marcantes períodos de desenvolvimento do Médio Rio Doce – Foto: Mário de Carvalho Neto

A notícia

Enquanto a obra ferroviária avançava na direção do antigo Tejuco, já ultrapassando a conhecida Baixada Diamantina, várzea de Naque à margem do rio Santo Antônio, o sonho dos diamantinenses de terem uma estrada de ferro ligando seu território ao litoral, esvaeceu-se com a inesperada notícia no continente europeu, de que havia encontrado em Itabira uma colossal jazida de minério de ferro de alto teor.

A notícia na capital sueca Estocolmo, despertou o interesse em um grupo de empresários ingleses, então proprietário da mina, que procurou a Companhia E.F. Vitória-Diamantina para discutir a viabilidade de transportar o minério para os portos de Vitória. Fechado o acordo, que incluía desviar a linha para Itabira e alocar recursos financeiros necessários, o grupo inglês organizou a Brazilian Hematite Syndicate e comprou o controle da ferrovia. Com o direito de exploração da mina do Cauê. Tal fato consolidado, o governo brasileiro autorizou a mudança do traçado para Itabira.

Os serviços executados em Naque na direção de Diamantina são abandonados e as obras ferroviária voltam a prosseguir pelas margens do Rio Doce no encalço do altaneiro e rico depósito mineral.

Todos os serviços realizados são abandonados – A pequena mata marca o local do corte na rocha – Foto: Mário de Carvalho Neto

Os prejuízos da mudança do traçado, não se deu apenas no abandono das obras já realizadas em Naque, mas no âmbito da contrapartida, já que construção de estradas de ferro são concessões públicas deste então. O Governo Federal condiciona os empreendedores a construírem um ramal ferroviário entre Diamantina a Corinto, inaugurado em 1913.

Os engenheiros líderes do empreendimento, João Teixeira Soares e Pedro Nolasco Pereira da Cunha não previam que no novo rumo da ferrovia encontrariam pela frente os mais extenuantes desafios: dentre eles, a construção em Naque de uma longa ponte em treliça metálica, transpondo o Rio Santo Antônio; o enfrentamento de uma região endêmica em insalubridade como malária, tifo e paludismo e uma topografia desafiadora, principalmente às margens do Rio Piracicaba. A falta de recursos, precariedade dos materiais de linha, carência de locomotivas, escassez de mão de obra entre outros desalentos somavam-se à severidade da odisseia.

Para a retomada da construção na margem do Rio Doce, sentido Itabira, foi necessário a construção de uma travessia metálica em treliça sobre o Rio Santo Antônio – Foto: Ildon Pinto

“O minério é nosso”

Em 1915, quando a linha já havia deixado o entroncamento fluvial em Nake, com destino a Itabira, o mundo desola-se na Primeira Guerra Mundial. Nesse período, discussões calorosas entre nacionalistas e liberais, fizeram recrudescer a campanha, “o minério é nosso”, que implicava na exportação do minério por empresas estrangeiras. Enquanto o debate político seguia, a construção da linha retomava e avançava, chegando a Desembargador Drumond (Nova Era), em 1932.

Em 1937, com o advento do Estado Novo, a nova Constituição outorgada, proibia a exploração e o aproveitamento de jazidas minerais brasileiras por empresas estrangeiras, reservando a concessão para empresas constituídas por maioria de acionistas brasileiros. Com a nova regulação mineral, o empresário americano Percival Faqhar, junto a um grupo de empresários fundaram a CBMS-Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia, e incorporaram a EFVM. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, e o aumento da demanda pelo minério de ferro, a CBMS iniciou a exploração do Pico do Cauê. Depois de 40 anos do início da abertura da então EF Vitória-Diamantina, o primeiro carregamento de minério chega a Vitória, sendo embarcado no navio finlandês, Modesta, para os Estados Unidos.

Pico do Cauê no início de sua exploração – Foto: Arquivo Público Mineiro

No dia 1º de junho de 1942, o presidente Getúlio Vargas expediu o decreto-lei 4.352, criando a Companhia Vale do Rio Doce e ao mesmo tempo nacionalizando a exploração do minério. A partir de então, uma série de melhoramentos ferroviários deram início a diversas mudanças na via permanente e na tração, propiciando a transformação da modesta estrada de ferro, que segundo o ex-ferroviário Abel Carvalho, era mais precária de que as ferrovias dos canaviais – numa das mais eficientes estradas de ferro do mundo.

Tombamento como patrimônio Cultural do Município

Em entrevista ao prefeito de Naque, Fernando Silva (PROS), o político que deixa a prefeitura no dia 31 de dezembro de 2024 para seu sucessor, o aliado político Robinho (PDT), reportou à Caminhos Gerais, que iniciativas voltadas ao tombamento do corte de pedra como Patrimônio Cultural do Município foram iniciadas, porém paralisadas. Ele acredita que a nova administração poderá retomar o processo na busca do tombamento do local devido o forte significado histórico e cultural que o local representa.

O tombamento de um patrimônio cultural tem diversos argumentos que ressaltam sua importância:

1 – Preserva a história e memórias de um país: O tombamento é a primeira ação para preservar bens culturais, impedindo que sejam destruídos ou descaracterizados.

2 – Contribui para a formação da identidade de um povo: O convívio com bens culturais é fundamental para a formação da identidade de um povo.

3 – Imprime orgulho na população: O tombamento de bens históricos ajuda a imprimir um sentimento de orgulho na população.

4 – Beneficia a economia local: O tombamento de bens históricos atrai turistas, beneficiando a economia local.

5 – Demonstra a importância de um bem para todas as gerações: O tombamento permite preservar as memórias de uma sociedade para que sejam transmitidas às gerações futuras.

6 – O tombamento pode ser realizado por administrações municipais, pelo Governo Estadual ou pela União. Quando um imóvel é tombado, ele pode ser utilizado, alugado ou vendido, desde que se mantenha preservado.

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