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Vencido pelo tal do progresso, o prédio do memorável Silvana Pálace Hotel, erguido em 1962 dará lugar a um novo empreendimento

Transformado hoje numa montanha de entulho, protegido por um longo tapume, a edificação há 60 anos abrigou o primeiro hotel de Coronel Fabriciano – à época, rivalizando apenas com o Grande Hotel da Usiminas, situado no bairro Castelo, em Ipatinga.

Destinado a dar lugar a um novo projeto, cujas estruturas e a arquitetura do imóvel não se compatibilizavam com a proposta técnica do novo empreendimento, está previsto no local a construção de um Mall, dotado de lojas e salas comerciais e garagem, além de sede um um banco. Do Edifício Silvana, do hotel e salas comerciais, restou apenas seu inventário histórico, geográfico e tecnológico, salvaguardado no setor de cultura da Prefeitura de Coronel Fabriciano.

Inventariado pelo setor de patrimônio cultural da prefeitura em 2009, a historiografia da edificação está adequadamente arquivada e preservada como memória e documentação histórica da cidade.

Na esquina da avenida Pedro Nolasco com a rua José Cornélio, o Edifício Silvana destacava entre as demais edificações

 

Mesmo com localização privilegiada, o Edifício Silvana era um ponto comercial sistematicamente divulgado na mídia local, como na extinta revista O Vale em Notícias

Conhecido como Hotel Silvana, a hospedaria ocupava todo o 1º Andar e parte do térreo onde funcionava a recepção. No térreo funcionava também algumas lojas em regime de aluguel, sendo numa de suas lojas, funcionavam uma revenda do automóvel Simca Chambord, uma loja de artigos masculino e uma choperia. Nos fundos do edifício, funcionava o restaurante do hotel, que mais tarde tornou-se a famosa Churrascaria Cabana, ícone da badalada vida noturna fabricianense dos anos 1960. Anos depois, na década de 1970, também no térreo, funcionou a lendária boate Saint-Tropez de Zenóbio e Lelo, e na década de 1980, abrigou no 2º andar, os estúdios da Rádio Galáxia FM.

Na área externa do Edifício Silvana, funcionou o restaurante do hotel. A Churrascaria Cabana, mais tarde tornou-se ícone da vida noturna fabricianense nas décadas de 1960 e 1970

 

Em uma de suas lojas no térreo, funcionou a Agência Simca, revenda de um dos carros mais desejados na época

Nos apartamentos do Hotel Silvana, hospedaram celebridades como Juscelino Kubitschek em 1971, em visita ao lançamento do bairro que leva o nome de sua mãe, Júlia Kubitschek. Também os cantores Altemar Dutra e Belchior, a atriz Eva Wilma e times de futebol, como o Atlético Mineiro desfrutaram do conforto oferecido pelo hotel.

Em 1971, o ex presidente Juscelino Kubitschek hospeda-se no Silvana Pálace Hotel

 

Um automóvel como hóspede

Outro hóspede, não tanto célebre, mas inusitado, foi um carro de nome Democrata. O automóvel que circulava pelas principais cidades do país sobre uma pequena carreta, chega a Coronel Fabriciano em 1966 com a equipe de corretores vendendo ações de uma nova fábrica genuinamente nacional que seria instalado em São Paulo. Por alguns dias o avançado veículo da então Indústria Brasileira de Automóveis Presidente circulou pelas ruas da cidade exaltando o orgulho nacionalista. Sob pressão, inclusive de políticos contrários, o projeto do carro brasileiro foi à falência antes mesmo de acionar seus motores.

Apresentado aos fabricianenses em 1966 sobre uma pequena carreta, o Democrata, carro genuinamente brasileiro, encantava a todos

 

Cédula equivalente à uma participação acionária na fabrica do Democrata, adquirida por Rubem Winter Maia       

 

Nas décadas de 1970 e 1980, funcionou no térreo do Edifício Silvana a badalada boate Saint-Tropez

As imagens do Hotel Silvana na movimentada esquina da Avenida Pedro Nolasco com José Cornélio, no centro de Coronel Fabriciano, hoje, apenas na memória, remetem ao ano de sua inauguração, em 1962, período de elevada pujança na economia fabricianense. Impulsionada pela crescente atividade industrial em seu distrito Timóteo, sede da Cia. Acesita; investimentos na cidade pelo escritório da Cia. Belgo Mineira; pela instalação da Usiminas também em seu distrito Ipatinga e pela instalação da unidade administrativa da EFVM, a 3ª Residência da Via Permanente, Coronel Fabriciano vivenciava um dos mais notáveis crescimentos de sua história, notabilizando-se em todo o leste mineiro.

Nas décadas de 1970 e 1980, o entorno do Edifício Silvana torna-se o epicentro da vida social da cidade, tendo a Churrascaria Cabana, a boate Saint-Tropez, os bares Boteco, Castelinho e Jambalaya entre outros estabelecimentos comerciais como ponto de encontro nas noites fabricianenses.

Na década de 1980, a atividade hoteleira é encerrada e seus apartamentos são transformados em salas comerciais.

Na década de 1980, em estado relativamente precário, o Silvana Pálace Hotel é desativado e os apartamentos são transformados em salas comerciais,

 

Inventário

Conforme diretrizes para a proteção do Patrimônio Cultural de Minas Gerais, Belo Horizonte: Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA/MG, o inventário diz:

(…) “O Silvana Pálace Hotel foi inaugurado em 1962 como o primeiro hotel de Coronel Fabriciano à época, rivalizando com o Grande Hotel da Usiminas, situado no bairro Castelo, em Ipatinga. Para a realização de sua construção, foi constituída uma sociedade de capital aberto intitulada “Fundo de Melhoramentos de Coronel Fabriciano”, tendo à frente o Dr. Rubem Siqueira Maia. Muitas pessoas da cidade compraram cotas de participação do empreendimento, considerado muito moderno e arrojado para a época. O hotel teria todos os serviços de um hotel de luxo: cozinha internacional, salão de festas e reuniões, piscinas e sauna.

Nos anos setenta, o prédio abrigou nos fundos, no espaço que seria destinado à piscina, a primeira churrascaria do Vale do Aço, denominada “Cabana”. Foi durante muito tempo o ponto mais badalado da região, local onde se concentrava a juventude. Na mesma época, no andar térreo do prédio funcionou a primeira boate da região, denominada “Escritório”. O nome fora escolhido através de um concurso, onde este foi considerado muito original, pela justificativa: a mulher ao interrogar o marido por que chegara tarde em casa, teria como resposta: “eu tive que fazer serão no escritório”. Esta casa de diversão funcionava então como uma atração a mais para os hóspedes.

O hotel foi desativado em 1985, e o prédio transformado em um centro comercial. O hall do Hotel foi dividido em várias lojas. Os apartamentos transformados em salas para escritórios, consultórios médicos e dentários. No último andar funcionou por seis anos a Rádio Galáxia FM. Atualmente, o prédio está bastante decadente e se mantém como edifício comercial”.

 

História

Apesar do glamour e do significado socioeconômico que o empreendimento representava para a crescente economia fabricianense, sua história é marcada por dias gloriosos e também uma série de desafios, especialmente financeiro, durante sua construção e no processo de liquidação do Fundo de Melhoramentos de Coronel Fabriciano Edifício Silvana anos depois. Quem conta um pouco sobre essa trajetória que direta e indiretamente tem uma relação com centenas de pessoas da região é Rubem Winter Maia, então gestor do Fundo, empresa criada para construir e administrar o condomínio.

A ideia de construção do hotel, teve a concomitância com a instalação do Rotary Club na região, até então existente apenas em Governador Valadares.

Na maior cidade do Vale do Rio Doce, o Rotary, sob a presidência do americano Mister Simpson, engenheiro da Companhia Vale do Rio Doce (Vale), a entidade voltada a promover o crescimento econômico, previa motivar a construção de um hotel no centro de Governador Valadares e outro em Teófilo Otoni.

Entusiasmado com a perspectiva de crescimento da região do Médio Rio Doce, na direção do desenvolvimento siderúrgico, e a inexistência de um hotel à altura do crescente número de visitantes que aqui chegavam, o fundador do Rotary Club de Coronel Fabriciano, o médico e ex prefeito Rubem Siqueira Maia, em parceria com o Rotary de Governador Valadares, viabilizam a construção de um hotel no centro da cidade, no terreno pertencente à Cia. Belgo Mineira. O hotel ofereceria um novo serviço de hospedagem, até então dominado pelas pensões.

O médico Rubem Siqueira Maia, ex prefeito de Coronel Fabriciano e fundador do Rotary Club na cidade, empreendeu na construção do Edifício Silvana

Para tal empreendimento, o Rotary Club de Coronel Fabriciano, por indicação do Rotary Club de Governador Valadares, contratou a empresa Campos Paulino Empreendimentos, especializada em lançamento de empreendimentos imobiliários, sediada em Belo Horizonte, para lançar o primeiro hotel na cidade. Para viabilizar a construção do hotel, foi criada a empresa Fundo de Melhoramentos de Coronel Fabriciano Edifício Silvana. O Fundo criou cerca de 1.800 cotas no valor de 25 mil cruzeiros cada, para vender a pessoas físicas ou empresas da região que se interessassem participar de forma societária no empreendimento. Os compradores das cotas pagariam cinco mil cruzeiros de entrada, que seria a comissão da empresa lançadora do empreendimento, mais 10 parcelas de 2 mil cruzeiros.

Com as primeiras receitas, iniciou-se então a construção do sonhado Edifício Silvana, na esquina da avenida Pedro Nolasco com a rua José Cornélio, em frente ao escritório da Belgo Mineira. No local, funcionava a pensão de Dona Raquel, demolida para dar lugar ao edifício. Nas proximidades, funcionava também o escritório da 3ª residência da EFVM, juntamente com uma carpintaria e uma serralheria pertencentes à ferrovia.

No local do Edifício Silvana, funcionava a Pensão da Raquel. Na fotografia, Leonor Ataíde, Dona Raquel, Nini, o médico José Riscala Albeny e Antônio Cornélio

 

Na fotografia dos filhos do ferroviário Abel de Carvalho, nos jardins de sua casa, pode-se ver ao fundo a construção do Edifício Silvana

Para que o empreendimento avançasse apenas com os recursos das cotas, a Belgo Mineira concedeu ao Fundo uma carência ao pagamento pela compra do terreno.

Já no início das obras – que previam 20 apartamentos no primeiro andar, cozinha internacional, salão de festas e reuniões, piscinas e sauna – os desafios se enunciaram adiante: além da não previsibilidade da inflação e concomitantemente a não aplicação da correção monetária nas cotas, ocorreram também a inadimplência de diversos cotistas ao longo dos vencimentos. Para o prosseguimento das obras e a conclusão da primeira etapa, que era estruturar a edificação para receber os primeiros hóspedes, o Fundo recorria à empréstimos particulares, em muitos casos vultosos, devido a ascendência dos juros, que tinha como referência os juros bancários.

Dentre estes empréstimos, o Fundo contou com empréstimo do fundador da Universidade do Trabalho, o padre José Maria de Man.

Tendo que recorrer a empréstimos bancários, para saudar os empréstimos contraídos a particulares e inaugurar o hotel, o Fundo de Melhoramentos que ainda devia o terreno adquirido da Belgo Mineira, propõe a empresa hospedar seus funcionários que regularmente visitavam os serviços da empresa na região como forma de pagamento.

O piso das dependências do hotel era revestido com tacos de peroba fabricados pela Serraria Santa Helena – Foto: Ailton Avelino

Em 1962, a administração do Fundo de Melhoramentos inaugura o Silvana Pálace Hotel e inicia o aluguel de suas lojas no térreo, dentre elas, a revenda da marca Simca, a primeira revenda de automóveis novos da região. Para o restaurante, que funcionava no local posteriormente denominado de Churrascaria Cabana, o hotel contratou o chef de cozinha Sebastião Prata, ex proprietário do restaurante Urca, com experiência em restaurantes de navios cruzeiro.

Inaugurado com elevada dívida e com cerca de 20% das cotas liquidadas integralmente, o filho do presidente do Fundo de Melhoramentos de Coronel Fabriciano, Rubem Winter Maia Filho, recém formado em Direito, assume a instituição na condição de reorganizá-la e continuar as obras do segundo andar paralisada.

Rubem Winter Maia, filho do precursor do empreendimento, assume a gestão do Fundo de Melhoramentos de Coronel Fabriciano Edifício Silvana – Foto: Acervo Revista Caminhos Gerais

Diante do desafio de sanear o empreendimento e concluir as obras, outro desafio surge no caminho do Fundo de Melhoramentos: outros hotéis são construídos na cidade, como o Hotel Avelino e o Hotel Pereira Martins, que segundo Rubem Maia, não cumpriam com a tabela de preços acordada entre eles, forçando ainda mais a receita do Hotel Silvana para baixo.

Com o saneamento financeiro e o equilíbrio das contas, na década de 1980, Rubem Maia Filho contrata a empresa Mapa Tecno Fiscal de Belo Horizonte para concluir a contabilidade do empreendimento, sugerindo então a modificação estatutária que permitia a respectiva liquidação do Fundo e a venda do imóvel. No período, o administrador do Fundo convocou todos os cotistas em assembleia no antigo Cine Marrocos para anunciar a distribuição dos dividendos, que previa a proporcionalidade em relação às cotas pagas.

Considerando a localização do imóvel favorável para sua comercialização, Rubem Maia sugere a venda do mesmo, porém recomenda aguardar o melhor momento, já que o mercado imobiliário na década de 1980 encontrava-se com excesso de ofertas de lotes e imóveis.

Surpreendido por uma ação judicial que intervinha no empreendimento, na década de 1990, Rubem Maia é substituído por João Carvalido, afastando-o definitivamente do Fundo de Melhoramentos.

Ao longo das últimas décadas, o imóvel e toda a sua área foi colocado à venda, vindo a ser concluída em 2022. O ex administrador, Rubem Maia, que também é possuidor de algumas cotas do Edifício Silvana, considera que foi um avanço para a cidade no âmbito urbanístico bem como no impasse judicial que durou mais de 30 anos.

Durante o mês de novembro, o edifício aos poucos foi desaparecendo – Foto: Acervo Revista Caminhos Gerais

 

Demolido, sua ampla área será erguido um novo espaço comercial – Foto: Acervo Revista Caminhos Gerais

 

Preservação da memória

Nem todos os bens patrimoniais do passado, mesmo aqueles não reconhecidos como patrimônios culturais tiveram a mesma sorte do Edifício Silvana, de ser inventariado nos âmbitos histórico, geográfico e tecnológico. Inúmeros bens patrimoniais, em especial arquitetônico, por esse mundo afora, que permearam por diversas gerações de famílias, ou desapareceram ou estão sob o risco de desaparecerem para dar lugar a um outro empreendimento ou mesmo deteriorarem com o tempo. O certo é que grande número destes bens sob risco de desaparecerem não tem se quer sua historiografia mínima registrada, mesmo que seja amadoristicamente. Diversas pensões, bares, restaurantes, salões de barbearias e alfaiatarias do passado foram fechados e pouco se sabe sobre a histórias destes estabelecimentos.

Amplamente residencial no passado, das edificações da rua Coronel Silvino Pereira, transformadas em prédios comerciais, restou apenas a fotografia, sem um histórico mínimo sobre seus  moradores e modo de construção   

Este levantamento histórico mínimo, não necessariamente feito por um historiador profissional, mas feito pelo próprio proprietário, seria de grande valia para o futuro e para a memória da cidade.

As políticas públicas voltadas à preservação da memória dos bens patrimoniais culturais e artísticos de uma cidade tem sido de grande relevância para a perpetuação da história de uma comunidade, porém, a própria população tem também um papel preponderante na preservação da história de seus antepassados, dos bens materiais e imateriais familiares. Seja um costume na área da culinária, um negócio de família, uma oficina, uma loja, ou mesmo um carrinho de pipoca, são neles que estão registrados a trajetória histórica de um povo.

Se você vivenciou uma história, seja social ou empresarial, que considera relevante, passe-a para uma folha de papel e preserve-a para as futuras gerações. A história de um povo é a soma das infinitas histórias que o tempo encarregou de escrever.

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