Voltar para casa após a evasão das águas é o momento de deparar com perdas materiais e mergulhar na tristeza
Assistir de longe as águas se elevando continuamente e invadindo sua casa sem que se dê conta do que está acontecendo no interior do imóvel já é uma terrível e dramática expectativa. Adentrar em casa após o baixar das águas e certificar dos estragos causados, é sem dúvida outro dramático momento, ou talvez o mais marcante, o pós enchente.
Essa terrível experiência foi vivenciada por um casal de moradores de Nova Era – cidade do Médio Piracicaba severamente castigada pela forte enchente deste ano no Rio Piracicaba, em janeiro de 2022 – ao retornar para casa no baixar das águas. O primeiro impacto foi visual, ao ver as marcas da água barrenta nas paredes, certificando-se que o nível alcançado pelas águas, segundo eles, foi muito acima do esperado. Naquele instante, tiveram a certeza de que diversos objetos foram atingidos pelas águas.
Caminhando sobre uma espessa camada de lama, decantada da água estacionada, formada por uma mistura de argila, areia, pó de minério e resíduos de esgotamentos sanitários, que exalavam um odor fétido, os moradores a cada passo deparavam com o pior. Geladeira fora do lugar, guarda-roupas e armários destruídos, quadros na parede empenados, roupas encharcadas, aparelhos eletroeletrônicos danificados e o banheiro azulejado enlameado.
Pisando na lama com os olhos lacrimejando e espantados, eles observavam a marca máxima da enchente, que chegava a 1,8 metros dentro de casa, na certeza de que muito dos itens que acreditavam estar protegidos, não escapara da trágica enchente. Após certificar dos estragos no interior da casa, que não foram poucos, o casal tomado pela emoção, fazem uma inspeção nos arredores do amplo imóvel, onde perceberam que uma estimada mesa de peroba maciça, com cerca de 4 metros de comprimento, pesando mais de 200 quilos e uma máquina de fabricar picolés foram levados pelas águas. Desolados, tentando compreender tal fato que beirava o imponderável, continuaram caminhando sobre a lama até o então cuidado jardim soterrado próximo ao portão. Dali, observava o rio fazer da rua Mário Carvalho o seu caudaloso leito.
Limpesa durante a evasão das águas
Antes que iniciasse a evaporação da lama e sua secagem, eles imediatamente iniciam o processo de limpeza no interior da casa e nos arredores. “Esta, ainda úmida, torna-se mais fácil sua remoção com a ajuda de jatos d´água”, diziam. Ao mesmo tempo que inicia-se a limpeza, inicia-se também a remoção dos objetos tomados por uma cor amarronzada e seus respectivos descartes. A cada objeto perdido, eles se emocionavam diante do desapego e do desprendimento do que um dia serviu de forma material e imaterial à toda a família. Após três dias de muito trabalho, lavando o piso, vasilhames e os móveis que resistiram a enchente, era hora de reorganizar a casa e recomeçar a vida.
Ao mesmo tempo que eles avaliam os efeitos da enchente, já consolados em voltar a habitar uma casa limpa com cada objeto em seus respectivos lugares, as águas retornam para o leito original do rio deixando para traz sobre a rua, um mar de lama e areia misturada com lixo de toda a espécie.
Reconstruindo a cidade
Ali, a extensão da casa até a rua, um microcosmo do que acontecera por toda a faixa da cidade à margem do rio Piracicaba, fortemente castigada pela enchente, refletia o sentimento de impotência de uma população diante da força e da soberania da natureza. Apesar de toda a faixa alagada da cidade representar pouco mais de 10 por cento da área urbana de Nova Era, a enchente abalou profundamente a população que viu um de seus símbolos maiores, a ponte Benedito Valadares e suas principais ruas centrais serem fortemente atingidas pela cheia do rio. Os prejuízos públicos não foram poucos, numa avaliação superficial, considerando que a cabeceira de uma de suas pontes ficou seriamente abalada e a ponte pênsil arrastada pelas águas.
Nova Era sobreviverá ao caos provocado pelo fenômeno natural. A cidade que tem em seu histórico o enfrentamento de outras enchentes devastadoras soube se restabelecer e “dar a volta por cima”. Alguns comparam a atual enchente com a famosa enchente de 1979. Na avaliação popular, o nível da água atingiu as mesmas marcas anteriores, porém, o volume certamente foi bem menor. No passado, o leito do rio era mais profundo, sua caixa sofrera menos intervenção e aterros e este era menos assoreado. O certo, é que o rio tem seu leito natural, isto é, caixa de estiagem e caixa de enchente muito bem definidas pela própria geografia de seu curso, locais cuja ocupação humana torna-se um constante desafio.