Corroída pela força do tempo, a modesta moradia vai se dissolvendo literalmente e apagando uma singela história de solidariedade e trabalho
Certa feita, um homem de longa idade, conhecido como seu Puri, vivia com sua esposa, dona Francisca e o ajudante Dandão, numa tapera, próximo ao rio Piracicaba, garimpando no arenoso cascalho e pescando para o sustento.
Seu Puri, então solicitou ao proprietário da terra, realizar umas e outras pesquisas no solo da fazenda, dizendo que naquelas terras afloravam vestígios de pedras preciosas.
O fazendeiro não só permitiu, como autorizou seu Puri construir uma cabana para morar com sua esposa dona Francisca e seu ajudante Dandão.
O experiente garimpeiro escolhe um local próximo a uma pujante nascente em meio a uma viçosa pastagem e constroem uma cabana de pau a pique, provida de quarto, sala e cozinha.
Dandão, um homem simples e humilde, nunca havia calçado um sapato. Seu patrimônio resumia-se na roupa do corpo, numa foice, um machado e uma enxada. Viver com seu Puri e dona Francisca, era para ele, muito mais que o simples emprego de sua força de trabalho, era contudo, sentir-se protegido do mundo. Sua simplicidade extrema não o permitia lidar com a vida e as pessoas além do âmbito daquele velho casal.
Ali, distante de tudo, cercaram a cabana, canalizaram a água da nascente, construíram um chiqueiro e plantaram hortaliças e uma roça de milho para fazer fubá e engordar o porco. O gado do fazendeiro rondava vorazmente o milharal, cercada com arame farpado.
Ali, ao cair da noite, sob a luz tênue da lamparina, os três idosos trocavam as últimas palavras antes de embalarem no sono profundo.
Antes do sol nascer, a água do café já fervia sobre a lenha incandescente, no fogão caiado com barro branco.
Anos depois, seu Puri faleceu, deixando alguns túneis abertos à mão nas pedregosas encostas, sem que encontrasse um só cristal embaçado sem valor algum.
O fazendeiro então autoriza Dona Francisca, com a idade bem avançada, permanecer morando na cabana juntamente com o amigo Dandão, o tempo que fosse necessário.
Com seus 90 anos, Dandão fazia o serviço pesado, como buscar lenha na mata próxima, coletar barro branco para branquear o fogão à lenha, consertar cerca, além de se tornar um permanente ajudante de serviços gerais na fazenda, como plantar e colher cereais.
O vazio deixado por Puri, aos poucos era preenchido por uma lida que iniciava no Sol nascente e terminava no Sol poente. Dandão então passa a prestar serviços gerais na fazenda, como bater pasto, cultivar roça e fazer capinas. Vez ou outra, quando o açougueiro passava na fazenda para matar um boi, Dandão recolhia as vísceras do animal, e levava para dona Francisca fazer sabão e cozinhar para os cães.
Dona Francisca e Dandão permanecem ali por alguns anos, compartilhando algumas criações de porcos e galinha.
Com o passar dos anos, dona Francisca foi morar juntamente com Dandão na sede do município de Antônio Dias, há poucos quilômetros da fazenda, próximo ao cemitério.
Dona Francisca e Dandão deixam para traz a cabana que construíram, levando na memória lembranças de seu Puri, a modesta mobília, as lamparinas, o querosene, os balaios, o velho moedor de café, a chapa do fogão e um feixe de lenha que juntara debaixo do fogão.
Abandonada, sem habitantes, ora invadida pelo gado, a cabana ali permaneceu em seu silêncio, dando moradia a algumas serpentes, morcegos e marimbondos.
Aos poucos, aquele lar preenchido por lembranças, foi perdendo suas forças físicas, desmoronando um pouco aqui e um pouco ali.
Corroída pelo tempo, transformando-se em escombros, pouco a pouco aquele lugar, onde vidas sonharam, compartilharam e se respeitaram durante um fragmento de tempo, desaparece em meio a vegetação.
Dona Francisca e Dandão, hoje fazem morada nos campos celestiais com seu Puri.
Muito comovente a história dos habitantes da cabana…
Obrigado amiga
Interessante e comovente história. Você tem o dom das palavras. Parabéns
Obrigado amiga