HOME HEADER 1 – FABRICIANO – IPTU PREMIADO

De foiceiro, abrindo picada na mata para a locação da EFVM em sua abertura, a diretor da Companhia Vale do Rio Doce

A trajetória singular do homem que dá nome à estação ferroviária de Timóteo

 

“Mário Carvalho representa o exemplo vivo do quanto podem a inteligência, o zelo, probidade e amor ao trabalho, lealdade com seus chefes e amigos e força de vontade”.

Trecho da circular de 25 de novembro de 1952, assinada pelo engenheiro Alencar Araripe, superintendente da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM).

Outro expressivo elogio a Mário Carvalho, registrado por Eliezer Batista – o engenheiro que reinventou a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) – em seu livro “Conversas com Eliezer” diz:

“Foi um período heróico da Vale do Rio Doce, colocar a companhia de pé não era apenas desafio de engenharia; por vezes, era um trabalho para Fernão Dias Paes Leme, Bartolomeu Bueno da Silva e outros. Como bandeirantes, precisávamos embrenhar por vegetações fechadas, hostis ao avanço do homem. Nesse período, um personagem de imenso valor foi Mário Carvalho. Mesmo sendo topógrafo, ele pode ser perfeitamente emoldurado no rol de engenheiros que trabalharam na empresa. Seu talento superava qualquer diploma. De origem inglesa e italiana, era um homem dotado de vasto conhecimento técnico, algo fundamental naquele momento”.

 

Nascido em 21 de janeiro de 1897 (mas registrado em 8 de janeiro de 1898), em São José da Lagoa (atual Nova Era), Mário Carvalho de Azevedo Barros era admirado também pelos companheiros por sua simplicidade, perseverança e extrema competência profissional. Seus pais foram Pedro Afonso Azevedo Barros Júnior e Alice Carvalho Azevedo, que residiam na Fazenda Pataló. Aos sete anos foi matriculado no Grupo Escolar Desembargador Drummond, o que o obrigava diariamente a longa caminhada para assistir às aulas. Ao concluir o curso primário empregou-se na Selaria Baptista e Irmão; e aos 25 anos casa-se com Ana dos Santos Gervásio, indo morar na Fazenda Velha, pertencente a José Baptista da Silva, que era seu patrão.

Acima,

De chapéu preto, à direita, o jovem Mário Carvalho era membro da banda de música de São José da Lagoa (atual Nova Era)

 

De terno preto, entre amigos em São José da Lagoa

Em seu livro Adeus, São José da Lagoa, o médico e memorialista José Baptista Filho, sócio-fundador do Instituto Mineiro da História da Medicina, traça o perfil de Mário Carvalho na juventude:

“É um moço alto, robusto, de tez queimada pelo sol, enrijecido na luta pela vida. Aprendera a enfrentar o trabalho árduo do campo, levantando-se antes do amanhecer. O trabalho para esse jovem simples e rude não é uma imposição da vida, uma obrigação. É um ato espontâneo, inerente, natural como comer, dormir…”.

Foi assim que em 1923 é admitido como auxiliar de serviços na construção da EFVM, abrindo picadas na mata como foiceiro (por usar a foice) para a equipe de topógrafos que avançavam na locação.

Mário Carvalho ingressa na Vitória a Minas em 1923, quando os trilhos ainda rompiam a mata fechada no Médio Rio Doce

Na época, a vida dos operários da ferrovia era crivada de dificuldades. O trabalho de no mínimo 12 horas diárias, era todo braçal; a alimentação composta basicamente de arroz, feijão, farinha de mandioca, charque e café. O cardápio frugal era quebrado com a pesca de surubim ou robalo, a caça e a extração de palmito. A natureza hostil e a malária encarregavam-se de completar a rotina dos trabalhadores. Nos primeiros anos de serviço Mário Carvalho foi acometido sete vezes pela doença. Não existiam lazer nem leis trabalhistas. Mas, disciplinado e determinado, Mário Carvalho rapidamente desperta a atenção dos superiores, passando de foiceiro a auxiliar de topógrafo e, em seguida, promovido a topógrafo.

Promoções e Malária

Como topógrafo, Mário Carvalho sobressai nas diversas frentes de melhoramentos da infraestrutura ferroviária

Nessa função, trabalha na retificação de linha, de desvios, em projetos de construção de pátios e construção civil. A precariedade das condições do serviço obrigava que o assentamento dos dormentes fosse feito diretamente no solo, sem os lastros de brita usuais, o que exigia reposição constante dos dormentes. A proximidade da ferrovia junto ao Rio Doce também exigia reparos constantes no nivelamento e mudanças no traçado da linha. Circunstancias, no entanto, que propiciaram a Mário Carvalho (que tinha apenas o curso primário) experiência nas áreas de engenharia civil e ferroviária. Tal experiência pode ter sido o motivo do seu desligamento temporário da EFVM, em 1939, para trabalhar como mestre de obras na construção da Ponte Benedito Valadares em Presidente Vargas, nome de Nova Era entre 1938 e 1942.

Com o desligamento temporário da EFVM, Mário Carvalho ingressa na prefeitura de São José da Lagoa e coordena a construção da ponte denominada mais tarde de Ponte Benedito Valadares, inaugurada em 1945 pelo então presidente da República, Getúlio Vargas

Uma de suas filhas, Maria de Lourdes, residente em Nova Era, relembra que devido a carga excessiva de trabalho seu pai cultivou pouca presença com a família. “A atividade dele era percorrer todo o trecho da ferrovia viajando a cavalo e isso o distanciava dos filhos. Ele chegava a ficar meses longe de casa. Certa vez chegou com a perna fraturada devido uma queda e muito abatido.

No Rio de Janeiro, Mário Carvalho foi convidado a interpretar um personagem alemão em um filme

A professora aposentada recorda também de um episódio curioso acontecido no Rio de Janeiro com seu pai. “Uma produtora de cinema convidou-o para interpretar um personagem alemão em um filme, em razão de seu porte físico e traços elegantes. Mas ele respondeu que não deixaria sua Anita, como ele chamava mamãe, por nada”.

Sua dedicação ao trabalho e sua inteligência, criava as condições para que ele se sobressaísse e progredisse na ferrovia. De ajudante de serviços, a ajudante de topógrafo, topógrafo, explorador, locador, nivelador, feitor, mestre de linha, auxiliar-técnico, Mário Carvalho adquiriu conhecimentos sobre as diversas áreas da ferrovia.

Em 1942, com uma planta topográfica em suas mãos, Mário Carvalho junto a turma da topografia

Ramal de Itabira

Nos anos 1940, Mário Carvalho projetou e coordenou a construção da linha entre Nova Era a Itabira. Considerado como um dos maiores desafios desde a abertura da estrada de ferro, a obra constava de um longo corte numa íngreme encosta de rocha, com quase 80 graus de inclinação, na garganta do rio de Peixe, em Capoeirana. Para a locação da linha, foi necessário que a equipe da locação pendurassem em cordas, amarrados pela cintura, para o devida demarcação do traçado. O talude aberto na rocha desembocaria na boca de um túnel em curva, aberto à beira de um precipício. Após 2 anos, os cerca de 32 km de trilhos chegam aos pés do Pico Cauê. Na época, o minério descia em caminhões até Desembargador Drummond, onde era embarcado nos trens.

Mário Carvalho em pé, com suas filhas Lúcia, Petinha e Maria de Lourdes, na modesta casa em Oliveira Castro, período da construção do ramal de Itabira. Sentado na porta, seu amigo Hermógenes

 

A construção da linha entre Nova Era e Itabira, foi considerada uma odisseia, romper os profundos vales do Rio de Peixe

 

Dimensionado para as modestas locomotivas a vapor da época, o túnel de Capoeirana, construído em 1942 é atualmente uma doce lembrança à margem da nova linha – Foto: Mário de Carvalho Neto

 

O antigo traçado locado por Mário Carvalho foi reestruturado para trafegar os atuais trens de minério – Foto: Mário de Carvalho Neto

Mário Carvalho trabalhou ainda na retificação da linha entre Governador Valadares a Cachoeira Escura, e redimensionando novos desvios.

Com topógrafos sobre a modesta linha de bitola métrica

3ª Residência da Via Permanente

Admirador de Getúlio Vargas (que tinha um retrato do presidente na parede de sua casa), em 1958, é promovido a engenheiro-residente da Terceira Residência da Via Permanente, unidade administrativa da ferrovia sediada em Coronel Fabriciano, responsável pelo trecho de Naque a Itabira. A Primeira Residência localizava-se em Vitória e a segunda, em Governador Valadares.

Nomeado a engenheiro-residente, Mário Carvalho instala a 3ª Residência da Via Permanente, unidade administrativa ferroviária, em Coronel Fabriciano, na rua Pedro Nolasco

Sua dedicação, inteligência e dinamismo, o levou a conquistar total confiança de seus superiores, estabelecendo uma notável autonomia administrativa sobre o trecho ferroviário a que administrava, especialmente no território de Minas Gerais. Segundo seu filho, o também ferroviário, Abel de Carvalho, afirmavam-se ao longo da linha, que existia duas ferrovias: a Vitória a Minas, da chefia, sediada em Vitória, e a Vitória a Minas de Mário Carvalho. A admiração dos ferroviários e amigos a Mário Carvalho, o distinguia como pessoa humana, sagaz e de grande capacidade técnica.

Rodeado pelos filhos: Lúcia, Petinha, Débora, Maria de Lourdes, Daniel, Moisés, Abel, Pedro, Samuel, no colo de Ana Gervásio, José Coelho, Isabel e Setembrino, na fotografia de Diló

O amigo Eliezer Batista

No alvorecer dos anos 1950, numa frente de trabalho em Baguarí, próximo a Governador Valadares, Mário Carvalho foi cercado por um jovem engenheiro recém formado em Engenharia Ferroviária, à procura de emprego. O jovem era Eliezer Batista, também novaerense, filho de José Batista, amigo de Mário. Ali mesmo, o engenheiro foi admitido por Mário Carvalho. Naquele instante, o engenheiro encontrava-se de bermuda, quando solicitou ao filho de Mário Carvalho, Abel de Carvalho – que se encontrava no local – uma calça emprestada, para assumir então suas atividades como ferroviário. A partir de então, a genialidade e coragem de Eliezer Batista o alça à presidência da Cia. Vale do Rio Doce por duas vezes e ministro das Minas e Energia no governo do presidente João Goulart

À esquerda, Dr. Beleza cumprimenta Dr. Araripe, então superintendente da EFVM, e à direita, Mário Carvalho e Eliezer Batista o aplaudindo

Variante de Sá Carvalho

Na virada da década de 1950, em meio ao esforço da Cia. Vele do Rio Doce em construir o Porto de Tubarão, com vista a atender os novos contratos de exportação de minério para o Japão e a Alemanha, era imprescindível que a ferrovia redefinisse o traçado ferroviário entre Baratinha (próximo a estação de Acesita) e Nova Era, local de inúmeros acidentes ferroviários, devido as fechadas curvas e os acentuados declives. À frente do desafio de melhorar as condições de tráfego numa região de alta variação topográfica, Mário Carvalho idealiza uma variante com cerca de 42 km de extensão, a Variante de Sá Carvalho, que contaria com quatro túneis, diversas pontes e longos aterros.

 

Os constantes acidentes ferroviários nas fechadas curvas à margem do sinuoso rio Piracicaba era o obstáculo para a ferrovia cumprir com as novas metas de exportação. Na fotografia, um descarrilamento próximo à Ponte do Amorim, em Antônio Dias

 

Vários descarrilamentos de trens de minério, como este em Sá Carvalho eram registrados no trecho, tornando-se prioridade para a CVRD a execução de um novo traçado

 

À direita, de terno preto, ao lado de Dr. Linhares e outros engenheiros da CVRD, Mário Carvalho define o “quilômetro zero” do que viria a ser uma das mais importantes obras ferroviária da Vitória a Minas, a Variante de Sá Carvalho, que permitiria tráfego de trens com mais de 100 vagões de minério. No local da fotografia, nas proximidades da antiga estação de Baratinha inicia os serviços

Uma colossal frente de serviços entre terraplenagem, obras de arte, assentamento de trilhos inicia-se, ao mesmo tempo que o tráfego de trens continuava em operação.

A grande obra retiraria a linha das margens do Rio Piracicaba e do perímetro urbano de Antônio Dias, possibilitando o tráfego de grandes comboios de minério. A empresa contratada, a Tratex, montou seu acampamento na comunidade de Sá Carvalho

 

Para o assentamento dos trilhos, a ferrovia adquiriu sua primeira socadora de brita mecânica, a Matiza, que substituiu a soca realizada por braços humanos

Responsável pela exploração, locação e assentamento dos trilhos, em 1962, Mário Carvalho inaugura o novo trecho que contou com cobertura da imprensa nacional. Os festejos foram celebrados próximo à barragem de Antônio Dias

Na inauguração que foi noticiada pela imprensa nacional, Mário Carvalho vira a chave, liberando o novo trecho para o tráfego. O garoto sobre a linha é seu neto Abel Carvalho Filho

 

O trem inaugural, tracionado por cinco locomotivas G-16, desceu carregado com destino aos portos em Vitória. Nota-se na fotografia à direita, o antigo leito ferroviário em uma de suas fechadas curvas

 

Junto aos filhos e netos, Mário Carvalho participa das festividades de inauguração. O segundo garoto da esquerda para a direita, é seu neto Mário de Carvalho Neto, editor do Portal Revista Caminhos Gerais

 

Ainda na inauguração, seu filho Abel de Carvalho, o prefeito de Coronel Fabriciano, Raimundo Alves, Mário Carvalho e o também diretor da CVRD, Mário Rolla

Em 1961, atendendo as novas regras do governo Jânio Quadros, que determinava que todas as estatais tivessem um funcionário de carreira no quadro de diretores, Eliezer Batista, nomeado à presidência da Cia. Vale do Rio Doce, nomeia Mário Carvalho à diretoria da CVRD.

Um jeep zero quilômetro de presente

Outro fato curioso, diz respeito a um jeep zero quilômetro, que seu amigo Diogo Bethonico, um empresário de Itabira o deu de presente. Quando o motorista chegou a Nova Era com o jeep, Mário Carvalho pediu-lhe para retornar com o veículo, dizendo que não poderia aceitar presente de parceiro da companhia, enquanto estiver trabalhando. Ele disse ainda que após sua aposentadoria, ele aceitaria o presente. E assim sucedeu, após sua aposentadoria em 1964, motivado pela destituição de seu amigo Eliezer Batista da presidência da CVRD, ele recebeu em sua casa o Jeep do amigo, porém não tão novo como antes, mas usado e desgastado.

De chapéu, Mário Carvalho ao lado do amigo Diogo Bethonico, que o presenteou com um jeep, na estação de Laborial

Ao se aposentar três anos depois, após 40 anos de serviços prestados, Mário Carvalho escreve uma carta de despedida emocionada a todos os companheiros e passa a morar definitivamente em Nova Era. Curiosamente, mesmo aposentado, em uma circular, a CVRD o autoriza parar qualquer trem, inclusive de minério, caso precisasse.

Aposentado, Mário Carvalho adota uma nova rotina, passar horas em seu sítio em Desembargador Drumond

 

Em reconhecimento à uma vida dedicada ao trabalho, com ética e altivez, Mário Carvalho recebe diversas homenagens, como do Lions Club

No dia 18 de maio de 1974, Mário Carvalho morre vítima de AVC em Coronel Fabriciano, mas é sepultado em sua terra natal. Dez dias antes tinha recebido o título de cidadão honorário de Itabira. A cidade que recebera animosamente os trilhos da EFVM em 1942, prevendo a destruição do Pico Cauê, o homenageará ainda ao batizar uma praça com o seu nome. Em agosto de 1974 a Rua dos Operários, onde morou por muitos anos em Nova Era, passa a se chamar Mário Carvalho. E, em 1980, a CVRD lhe presta uma última homenagem colocando seu nome na nova estação de Timóteo.

Com a esposa Ana dos Santos Gervásio, em Nova Era

Dois de seus filhos, Moysés e Abel de Carvalho, ambos falecidos, são muito conhecidos no Vale do Aço. O primeiro trabalhou no Banco do Brasil em Timóteo e o segundo deu prosseguimento ao trabalho do pai, assumindo a função de engenheiro-residente da Terceira Via Permanente em Coronel Fabriciano.

Faça um Comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Você não pode copiar o conteúdo desta página