Floresta do Camboja e Cinturão Verde europeu se salvaram da depredação graças a conflitos insanos
Por: Mário de Carvalho Neto
Pode parecer um terrível contrassenso admitir que a guerra pode contribuir com a preservação da natureza, isto é, sem levar em conta vidas humanas perdidas, que por si só, é também natureza. Essa mórbida realidade tem sido recorrente na história dos conflitos entre os povos que habitam a vastidão do planeta. Um destes conflitos, responsável por um dos maiores sacrifícios humanos ocorrido na história recente, precisamente na década de 1970, tendo como cenário, o Camboja, pais no sudeste asiático, foi também responsável pela preservação de uma vasta floresta nas montanhas Cardamomos, região remota do país, próxima da Tailândia.

Preservadas, as montanhas Cardamomos serviram de refúgio para os guerrilheiros do extinto Khmer Vermelho
Tal ocaso ocorreu quando o Khmer Vermelho, liderado pelo general Pol Pot, num golpe de estado, assume o governo daquele país. Atribui-se a este governo tirano a morte de mais de 1,5 milhões de cambojanos de fome, nos campos de plantações. Este, manteve-se no poder por quatro anos, quando o país foi invadido pelo exército vietnamita, devido conflitos na fronteira entre os dois países. Após a invasão, Pol Pot e sua milícia de guerrilheiros refugiam-se na floresta ao norte do país.
Durante anos, refugiados numa floresta infestada de tigres e crocodilos, ninguém se aventurava a invadi-la, principalmente madeireiros e caçadores, que poderiam ser recebidos também à bala. Os guerrilheiros do extinto Khmer Vermelho permaneceram por anos na floresta, até se renderem, num acordo político com o novo governo. Com a rendição, a guerrilha deixa para traz uma floresta totalmente preservada com toda a sua multiplicidade.
Após a rendição, em 1999, e a desocupação das montanhas, duas ONGs americanas compraram a floresta – cerca de 10 mil km2 – do governo cambojano e configura a região como unidade de conservação.
Atualmente, a unidade está no mapa das importantes unidades de conservação do sudeste asiático.
Cortina de Ferro
Outro fato que notabiliza-se pela relação direta da guerra com a preservação da natureza foi a institucionalização em 1949 da famosa “Cortina de Ferro”, após a Segunda Guerra Mundial. Esta, uma extensa faixa com 6.500 km, da costa do Ártico até as fronteiras da Bulgária se tornou uma longa barreira ultra fortificada, com colunas de aço, arame farpado eletrificado, minas explosivas e sentinelas armados, separando os blocos da aliança europeia dos países soviéticos. Fortemente isolada, ao longo da faixa que cortava a Europa ao meio, sendo de um lado, os países aliados aos EUA, isto é, o Ocidente, e do outro, países aliados à União Soviética, no Leste Europeu, espécies nativas desenvolveram-se, florescendo num vicejante corredor ecológico.
O nome Cortina de Ferro foi popularizada por Winston Churchill. “De Stettin, no Báltico, até Trieste, no Adriático, caiu sobre o continente europeu uma cortina de ferro”, declarou em 5 de março de 1946 em um discurso nos Estados Unidos.
Em 1989, após a queda do Muro de Berlim, a extensa faixa de terra tornou-se uma espécie de terra de ninguém, chamando a atenção de ambientalistas sobre a importância deste cinturão verde para o restabelecimento da fauna e da flora europeia.

Cortando a Europa ao meio, até 1989, a antiga Cortina de Ferro propiciou o isolamento de uma extensa faixa de terra
Abrigando cerca de 30% dos parques nacionais europeus, formando um cinturão verde transnacional, a antiga Cortina de Ferro é o único local com a presença de uma espécie de Tordo, pássaro que habitou por toda a Europa. Ao longo da faixa, mais de 1.200 espécies de animais silvestres sobrevivem, inclusive, sob o risco de extinção.
Quilômetros da antiga fronteira entre as Alemanhas, conhecida no passado como zona de morte, hoje, linha da vida, formam o Cinturão Verde, abrigando paisagens únicas e pontos históricos.

Durante os anos da vigência da Cortina de Ferro a vegetação desenvolveu-se, formando um corredor ecológico transnacional