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29 de abril, aniversário de Ipatinga e Timóteo e 200 anos da nomeação de Guido Marlière a comandante geral das Divisões Militares do Rio Doce

No dia em que Ipatinga e Timóteo comemoram suas seis décadas de emancipação, na região industrial do Vale do Aço, região que tempos atrás era parte do reino de diversas nações indígenas, dentre elas, a família Makro-Jê, dos conhecidos Botocudos, nota-se que pouco se sabe sobre estes ancestrais donos da terra.

De Mariana ao sul da Bahia e todo o estado do Espírito Santo era habitado por inúmera nações indígenas

Pouco ou nada remete a estes guerreiros que cuidaram das matas, por séculos adentro. Não há sequer um monumento, um parque natural, uma cartilha estudantil, uma estrada, uma ponte, ou mesmo um banco de uma praça, que presta homenagem a este povo que tinha organização social, civilidade, zelo e saberes especiais. Vítimas também de uma narrativa positivista, o desapreço pelos nativos, os tornaram apenas um enfeite na parede da história, isto é, um personagem esquecido no passado.

No dia 29 de abril (hoje), quando Ipatinga e Timóteo celebram seus aniversários, no mesmo dia, há 200 anos atrás, Guido Thomaz Marlière era nomeado comandante geral de todas as Divisões Militares do Rio Doce.

A Caminhos Gerais comemora o aniversário da chegada do humanista francês ao Vale do Rio Doce, no momento em que os Botocudos eram varridos da história. Suas ideias iluministas e humanistas impedem que os primeiros donos da terra fosse integralmente extintos.

Quando se fala hoje dos temidos índios que dominaram o conhecido Sertão Bravo do Rio Doce, dizem apenas que eram canibais, viviam nus, eram incivilizáveis, que incendiaram a Ponte Queimada e que foram todos dizimados pelos colonos. Conceitos meramente simplistas, diante da dimensão antropológica que estas primitivas civilizações denotaram-se no vasto território do Leste e Nordeste mineiro e Zona da Mata.

É muito pouco, quando se sabe que essa grande nação se espalhava por uma extensa região que ia de Mariana, ao Sul da Bahia e por todo o estado do Espírito Santo. O Vale do Rio Doce era seu mais importante reduto. Entre as tribos, destacavam os Aimoré, Araná, Bororó, Katolé, Koropó, Coroado, Jirapok, Graknum, Honoré, Malali, Maconi, Nacknenuck, Pejaurum, Krakmum, Patachó, Maxacali, Popixá, Poté, Poruntuno, Pejaurun, Kejaurin, Crixã, Puri, Kroato e Krenak. Dividiam-se entre grupos mansos, dóceis, ou valentes e guerreiros. As tribos da barranca do lado direito não se davam com as do lado esquerdo do Rio Doce. Não há números oficiais sobre a quantidade de índios que viviam nessa região, mas, dar-se conta de que eram numerosos como um formigueiro. As terras que ocupavam tinham como limites naturais, os cursos d´água ou as serras. As tribos eram governadas por um paqueju (chefe). Em suas danças, homenageavam o Sol, a Lua e as estrelas. Viviam ora pacificamente, ora em conflitos com tribos vizinhas.

Grupo indígena da etnia Krenak

Os Botocudos eram polígamos, possuíam quantas mulheres podiam sustentar. Mostravam grande respeito pelos velhos. Apesar dos europeus os considerarem “crianças grandes” por serem alegres e corajosos, eles eram supersticiosos e vingativos. Ao morrer, os índios eram enovelados com tiras de embiras, ficando todo coberto. Até que fossem enterrados, eram amarados em uma árvore e vigiado por um guerreiro. Acreditavam que enquanto estivessem desenterrados, estariam sob a ameaça do Nantshone, o Diabo. Pintavam seus corpos com urucum e jenipapo e enfeitavam-se de colares e pulseiras coloridas, feitas de sementes ou dentes de animais.

Algumas palavras de seu dialeto foram registradas por viajantes que se interagiram em paz com os Botocudos, como Uatú-Uahá (rio macho) que referia-se ao Rio Santo Antônio. Uatú-Yupú, (rio mãe), referindo-se ao Rio Doce, e Uatú-Brukukú (rio vermelho) referindo-se ao Rio Piracicaba.

Em geral, nômades, os Botocudos além das casas dos mortos, não construíam habitações permanentes. Seus abrigos não passavam de armações e leitos de folhas, conhecidos como “Ki-gemm” ou quijeme. Estes deslocamentos permitiam a manutenção do ciclo de renovação da fauna e da flora. Ao retornar ao mesmo lugar, tempos depois, os suprimentos naturais estavam ali, viçosos prontos para serem consumidos. Para proteção de picadas de insetos, utilizavam produtos de origem animal, como gorduras.

A solidariedade era uma disciplina entre eles, que acreditavam que na terra, tudo é de todos e nada é de ninguém. O homem é da terra e a terra não pertence ao homem. Os silvícolas tratavam a terra como sagrada, e a única herança que se deve cultivar dela, é deixa-la como Tupã a criou, fértil e rica para os futuros filhos do homem. Assim viviam os nativos com seus saberes e costumes, sob um regime de equilíbrio entre eles e a natureza.

Cobiça

Mal informado, Don João Sexto considerava os Botocudos espécies de seres ferozes e que comiam gente. Se quer passava pela sua cabeça que os nativos eram civilizações dotadas de costumes, crenças, tradições, saberes curativos, hábitos, que muitas das vezes, notabilizavam-se como mais civilizados do que dos invasores de suas terras, este vindos da Europa, o tal “berço da civilização.”

Com a decretação em carta régia da “guerra justa” ou “guerra ofensiva”, a crueldade abate sobre as matas do Vale do Rio Doce – Gravura de Jean Baptiste Debret – 1827

Foi em 1808, quando Don João assina um documento que a partir daquele dia, os índios eram declarados inimigos dos portugueses. Era a carta régia que decretava a “guerra justa” ou “guerra ofensiva”. No documento que criava a Junta Militar da Conquista e Civilização dos Índios e Navegação do Rio Doce, escrevia-se também que todos os gentios que fossem pegos com arco e flexa, deveriam ser presos por até 10 anos, ou viver acorrentado enquanto durasse sua braveza, e que seria formado um exército com homens bem armados para a missão de varrê-los do mapa. Escrevia-se também que o Sertão seria dividido em seis partes iguais, chamadas de distritos, e que cada distrito iria se chamar Divisão Militar do Rio Doce, com seu respectivo número. Essas Divisões abririam caminho para a colonização e a ocupação das terras férteis do Vale do Rio Doce, até então proibida a pretexto de ser utilizada como rota de contrabando de metais preciosos.

Os sobreviventes eram aprisionados e escravizados – Gravura de Jean Baptiste Debret

Para os nativos, iniciava ali sua imolação, quando oficiais e soldados armados com seus arsenais de guerra e afiadas lâminas, vestidos com fortes couraças ou gibões impenetráveis ao alcance das flexas, adentravam pela mata. O Vale do Rio Doce torna-se um cenário lúgubre e cruel. Alguns soldados degolavam o inimigo e utilizava sua cabeça como troféu. Os índios em vingança, também recorria à degola. O ódio pairava pela mata em reciprocidade. As mulheres eram levadas e transformadas em concubinas ou escravas. Os homens por vezes capturados, em muitos casos tiravam-lhes a própria vida em desencanto. O século 19 começava escrevendo a história da extinção de uma civilização que por ali existiu por estimados quatro mil anos.

Sobre o chão ainda molhado pelo sangue dos nativos, erguiam-se suas igrejas.

No lugar das aldeias, surgiam as habitações em táipa e sapé, e uma nova cultura, que tinha como primazia derrubar a floresta, vista como um incômodo para o desenvolvimento da agricultura e pecuária.

Divisões Militares

As divisões militares criadas pela carta régia se instalaram por um vasto território. Seus comandantes tinham patentes e soldos de alferes agregados ao Regimento de Cavalaria de Minas Gerais. Estas tiveram seus seguintes comandantes:

1ª Divisão – Instalada por Antônio Rodrigues Taborda, partia de Santa Ana dos Ferros (Ferros), Antônio Dias e Guanhães. As regiões hoje, Coronel Fabriciano, Ipatinga, Mesquita, Joanésia, Açucena e Belo Oriente, faziam parte desta Divisão. Em 1811, o Quartel Central estava situado em Porto Real de Joanésia (Joanésia Velha).

2ª Divisão – Instalada por João do Monte da Fonseca, ocupou o Sul do Rio Doce, na região dos rios Casca e Pomba, abrangendo entre outras terras, os atuais municípios de Saúde (Dom Silvério) e Ponte Nova.

3ª Divisão – Instalada por José Caetano da Fonseca, aquartelada em Abre Campo, seguia em direção às cachoeiras do Rio Manhuaçu.

4º Divisão – Instalada por Lizardo José da Fonseca, era sediada em terras denominadas Onça Pequena, pertencente atualmente a Jaguaraçu. Esta, reabriria a velha estrada do Degredo. Marliéria, Jaguaraçu, Timóteo, Dionísio, Goiabal, Quartel do Sacramento eram protegidas por esta Divisão.

5ª Divisão – Instalada por Januário Vieira Braga, de Peçanha, estendia-se pela margem esquerda do Rio Suaçuí, até Minas Novas.

6 Divisão – Instalada por José de Arruda Câmara, no Cuieté, atual Cuieté Velho. Esta, asseguravam os canoeiros que navegavam pelo Rio Doce. Possuía quatro destacamentos, sendo Barra do Cuieté, Cachoeira Escura, Baguarí e Lorena.

Segundo um dos comandantes de Divisão, mais de 1300 pessoas, ou 185 famílias chegaram de uma só vez, buscando terras para a agricultura. Estas foram distribuídas pelas terras da 1ª Divisão Militar, que abrangia as terras dos atuais municípios de Joanésia, Mesquita, Belo Oriente, Antônio Dias, Ferros e Guanhães.

Com o domínio sobre os gentios no baixo Piracicaba, a região desperta interesse econômico do governador. Na primeira metade do século XIX, o intendente das minas de ouro e o de curador do gabinete de mineralogia do governo, Wilhelm Ludwig von Eschwege, mais conhecido como barão de Eschwege, percorre a região. Na ocasião, em homenagem ao seu afilhado Thimóteo, o barão nomeia o ribeirão que descia de um altaneiro pico, dando-lhe o nome de Timóteo, hoje, nome do município do Vale do Aço. Na ocasião, o alferes Francisco de Paula e Silva Santa Maria adquire uma sesmaria, estabelecendo como a primeira atividade agrícola na região.

No início do século XX, a convivência pacífica é registrada na abertura da Estrada de Ferro Vitória a Minas    

Por volta de 1831, as divisões militares do Rio Doce foram extintas, sendo criadas posteriormente duas companhias de Caçadores de Montanhas da Província de Minas Gerais.

Novos tempos

Vindo de Portugal com a Família Real, um francês de nome Guido Thomaz Marlière, servia como tenente agregado no Regimento de Cavalaria de Linha de Minas Gerais, na capital mineira, Vila Rica.

Ele portava uma carta de recomendação do Príncipe para o Governador, onde era ordenado que este desse ao francês uma sesmaria de terra onde pudesse cultivar. Marlière era casado com uma portuguesa de nome Maria Vitória da Conceição Rousseaurieux.

O alferes francês Guido Thomaz Marlière é designado para o Vale do Rio Doce para conter o extermínio indiscriminado dos nativos

Desafeto dos portugueses, devido sua origem francesa, justamente nação de Napoleão Bonaparte, então invasor de Portugal, responsável pela fuga de Don João VI para o Brasil, o militar é denunciado como espião de Napoleão. Não ser católico e externar suas ideias liberais a respeito da política, alimentava ainda mais o preconceito sobre ele. O militar era acusado ainda de fazer uma revolução nas terras mineiras, recém saída da Inconfidência de Tiradentes.

Apesar do governador de Minas Don Francisco, acreditar no militar, ordenou sua prisão em cumprimento da lei. Na prisão, Marlière escreve uma carta à Corte, para Don João VI, cognominado “O Clemente” de quem gozava de bom conceito. Submetido a interrogatório, Marlière é declarado inocente de espionagem.

Liberto, Marlière tinha como desejo, ficar longe de seus detratores instalados na capital mineira. Ele desejava ser enviado para um lugar bem distante e deserto, onde poderia retomar sua vida com a esposa.

No mesmo período, chega às mãos do governador de Minas denúncias de que as terras indígenas em Rio Pomba estavam sendo invadidas pelos portugueses, e que o vigário e as autoridades locais promoviam cruéis arbitrariedades.

Don Francisco então, sabendo das capacidades e neutralidade de Marlière, o ordena a se estabelecer na região e implantar a ordem.

Configuração geográfica no período. Observa o traçado da antiga Estrada do Degredo de Vila Rica à Barra do Cuieté

Chegavam também notícias à Corte, dizendo que no Sertão do Rio Doce, a matança de nativos seguia ferozmente, promovida pelos capangas, soldados e fazendeiros. Guido Thomaz Marlière é então designado para a região. Humanista, o militar e civilizador tem confrontos diretos com a ordem estabelecida, que tratava os nativos como animais traiçoeiros. Diante de tal crueza, Marlière dedicou-se aprender a língua tupi, para melhor compreender os desafios à frente, que era pacificar a região.

A nova postura do militar na prática, consistia em descer os rios Santo Antônio, Doce e Piracicaba, em expedições de guarnições, distribuindo artefatos agrícolas como facões, enxadas, anzóis e sementes.

Uma de suas decisões, visando conquistar credibilidade dos nativos, foi nomear lideres guerreiros a capitães honorários, fornecendo-lhes uniformes e armas. O tratamento igualitário entre o homem branco e os índios era reconhecido, preconizando-o como o “Grande Capitão”.

Em 29 de abril de 1824, exatamente a 200 anos, por decreto imperial, Marlière é nomeado comandante geral de todas as Divisões Militares do Rio Doce.

Em 1827, o então comandante geral escolta pelos rios Doce e Piracicaba o transporte de uma fábrica de ferro pesando 475 arrobas, em 12 canoas. A carga inglesa, pertencente ao capitão Felix de Monlevade é encravada na região de São Miguel do Piracicaba com o nome Fábrica de Ferro Mineira.

Colonizado o Vale do Rio Doce com eminente pacificação, Marlière retorna mais tarde a Guidowald, onde possuía uma sesmaria.

Atualmente, em Minas Geris sobrevivem grupos genéricos habitando em comunidades descaracterizadas das antigas aldeias e costumes primitivos. Em Carmésia estão aldeados um grupo na fazenda Guarani, remanescentes dos Pataxó. Em Pradinhos, município de Bertópolis, fica o grupo dos Maxacali. Próximo a resplendor, os Krenakes e em Açucena, no Parque Estadual do Rio Corrente, um grupo derivado dos Pataxó de Carmésia.

Remanescentes dos Krenaks ainda preservam sua cultura no leste de Minas Gerais

 

No Parque Estadual do Rio Corrente, em Açucena, remanescentes Pataxó, originado de Carmésia preserva suas tradições – Foto: Elvira Nascimento

Provavelmente, inúmeros descendentes consanguíneos dos botocudos habitam nas atuais comunidades, já que não raro, pode-se ouvir histórias de famílias que afirmam que suas avós foram pegas a laço, isto é, era uma valente índia.

Ipatinga, em seus 60 anos de emancipação – Foto: Elvira Nascimento

 

E também Timóteo, comemorando seus 60 anos – Foto: Elvira Nascimento

 

Referências bibliográficas:

Notícias do sertão do Rio Doce – Fernando Benedito

Sertão Bravo do Rio Doce – Maria Celeste de Abreu

Expedição Piracicaba – 300 Anos Depois – Cláudio Guerra

A Conquista do Cuieté – José Araújo de Souza

O Sertão do Rio Doce – Haruf Selmen Spíndola

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