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Construída no século XVIII na direção das minas do Rio Cuieté, a Estrada Real do Degredo atravessa o Rio Doce através da histórica Ponte Queimada

Em meio ao declínio do ciclo da cana-de-açúcar, a notícia de que havia encontrado ouro na Capitania de São Paulo e Minas de Ouro atraiu milhares de pessoas para o  centro da Colônia. Já em 1711, as primeiras vilas foram criadas na região: Nossa Senhora do Carmo (atual Mariana), Vila Rica (atual Ouro Preto) e Nossa Senhora da Conceição do Sabará (Sabará).

Atribui-se que o ouro em Minas Gerais fora descoberto por Borba Gato em 1695, e, ao longo do século XVIII, descobriu-se também ouro no Mato Grosso e em Goiás, levando o Ciclo do Ouro para esses locais. Em 1730, porém, com a Capitania desmembrada, achou-se diamantes na região do Serro Frio, também em Minas Gerais.

Por volta de 1690, o ouro é encontrado nas proximidades de Nossa Senhora da Conceição do Sabará (Sabará)

A Estrada Real

A Estrada Real, patrimônio histórico e cultural de longa extensão em Minas Gerais, tem seu traçada referenciado por quatro rotas, sendo o Caminho Velho, partindo de Paraty a Ouro Preto, o Caminho Novo, partindo do Rio de Janeiro a Ouro Preto, o Caminho dos Diamantes, de Ouro Preto a Diamantina, e o Caminho do Sabarabuçu, entre o distrito de Glaura a Cocais, na direção da Serra da Piedade. Atualmente, é a maior rota turística do país, com mais de 1.600 km de extensão, abrangendo ao menos 160 municípios. Estes caminhos, construídos pela coroa portuguesa, tinham por finalidade principal escoar a grande produção de ouro e de diamantes da colônia para os portos no litoral do Rio de Janeiro. De Paraty, seguia pelo mar até o Rio de Janeiro, de onde seguia para a Europa. Com a construção da Estrada Real, novos caminhos foram abertos, sendo utilizados largamente por tropeiros e comerciantes, favorecendo o surgimento de diversos povoados que são atualmente importantes cidades históricas de grande relevância turística.

Sinalizada, a Estrada Real percorre cerca de 1.600 km – Foto: Elvira Nascimento

Dentre elas, Ouro Preto, Mariana, Sabará, Diamantina, São João del Rei, Tiradentes e várias freguesias. Segundo o historiador Boris Fausto, nos primeiros 60 anos do século XVIII, cerca de 600 mil pessoas vieram de Portugal para o Brasil, atraídos pela febre do ouro.

Enquanto os aluviões do Rio das Velhas, das Mortes e Piracicaba e Ribeirões do Carmo e outros revelavam-se grande depósitos naturais de ouro, descobria-se bem distante dali, no Rio Cuieté, fora do eixo Ouro Preto – Diamantina, uma outra província aurífera.

Para chegar até a longíncua mineração, uma outra estrada foi aberta, também no século XVIII. Essa partia de Vila Rica (Ouro Preto) rumo à localidade de Cuieté, no Vale do Rio Doce. Com aproximadamente 400 km de extensão, a nova estrada cortava a região do Médio Piracicaba, atravessava o Rio Doce na famosa travessia de nome Ponte Queimada, e seguia até a desembocadura do rio Cuieté. Todavia, a mineração em Cuieté revelou-se um fiasco, não correspondendo às expectativas da Corte. No local, construíram um presidio, este, abrigo de degredados, salteadores, opositores do império e condenados, que também mineravam sob escolta. A longa estrada torna-se então rota de degredados, denominando-se então Estrada do Degredo.

De Vila Rica (Ouro Preto), a antiga Estrada Real do Degredo cortava o Médio Piracicaba, o Rio Doce, pela Ponte Queimada, seguindo até o Rio Cuieté,

Mais tarde, o Comandante das Divisões Militares do Rio Doce, Guido Thomás Marlière, utilizou a estrada para instalar alguns quarteis, dentre eles, o Quartel do Sacramento. Nos arredores do temerário caminho, viviam os Botocudos, Coroados e Puris.

A conhecida Estrada do Degredo, este novo caminho aberto no intuito de escoar o ouro do rio Cuieté, não foi reconhecido tal qual sua relevância histórica e geográfica no passar dos anos. Entretanto, sua importância no contexto do mais rico ciclo do período colonial é inquestionável. A Estrada Real do Degredo, é um marco de alto significado histórico e geográfico na região do atual Colar Metropolitana do Vale do Aço. Seus poucos vestígios denotam de maiores investigações historiográficas.

Ênio Quintão Torres.

A seguir, publicamos o artigo do marlierense, Ênio Quintão Torres, que nos conta um pouco sobre essa instigante e épica história da Estrada Real do Degredo. Ênio nos conta também sobre a história não totalmente elucidada de sua principal travessia no rio Doce, a Ponte Queimada, e sobre algumas ações que poderiam desdobrar-se na preservação da memória deste símbolo do desbravamento do antigo território.

“A construção da estrada e da ponte

O incêndio ocorrido em 21/08/2023 na Ponte Queimada fez voltar à tona indagações que reclamam por elucidações há dois séculos e meio. Qual a história da Ponte Queimada e da Estrada Real do Degredo? Qual a loucura que levou os governantes portugueses a construírem uma ponte sobre o rio Doce em região que ainda permanecia sob o domínio dos indígenas botocudos? Qual o trajeto da Estrada Real do Degredo?

Na segunda metade do século XVIII (dezoito), tendo já esgotado o ouro de aluvião (aquele encontrado nos leitos dos cursos d’água) do centro de Minas Gerais, a administração da capitania do estado procurava o precioso metal nos mais diferentes pontos do nosso território, a fim de saciar “a fome de ouro” dos governantes portugueses. No último quarto do mesmo século, circulou em Vila Rica (Ouro Preto) a notícia da existência de ouro na confluência do Rio Cuieté com o Rio Doce – atual região de Conselheiro Pena.

O governador da capitania recebeu, imediatamente, instruções de Portugal no sentido de abrir uma estrada, ligando Ouro Preto ao Cuieté (Conselheiro Pena) com o intuito de transportar para lá uma leva de trabalhadores para realizar a exploração.

A estrada tinha que atravessar o Rio Doce em território sob o controle da nação dos botocudos.  Uma ponte de madeira foi erguida na área que atualmente é a reserva do Parque Estadual do Rio Doce, na divisa entre Marliéria e o atual município de Pingo D’água.

A conclusão da construção da ponte e da estrada se deu em 1782.

Construída em 1782 no estreito do Rio Doce, ainda hoje, o ícone histórico é utilizado como travessia de carros e pessoas – Foto: Elvira Nascimento

Nesse mesmo ano, o governador da Capitania de Minas Gerais, Dom Rodrigo José de Menezes, acompanhado por uma numerosa comitiva, fez a longa viagem de Vila Rica (Ouro Preto) ao Rio Cuieté (Conselheiro Pena), inaugurando a estrada e a ponte.

A região da Ponte Queimada foi descrita no roteiro da viagem da comitiva do governador da capitania como “uma área coberta de lagoas pestíferas, com muitas cobras extremamente venenosas e cheia de animais ferozes”. (Fonte: cartas de José Moreira Torres, pesquisador da história da bacia do Rio Doce).

“Degredo dos Malfeitores” 

Os exploradores não encontraram ouro no Rio Cuieté. A grande expectativa foi inteiramente frustrada. Para não perder totalmente os investimentos, o governo colonial resolveu transformar a região do Cuieté  em “Degredo dos Malfeitores”.

Condenados que cumpriam pena nas cadeias de Ouro Preto, Mariana e Sabará e opositores da monarquia passaram a ser levados para lá e entregues a sua própria sorte, deixados na floresta dos botocudos.

Esse confinamento de condenados na região do Rio Cuieté perdurou por apenas uns 12 anos. Por volta de 1794, a ponte foi incendiada – daí o nome “Ponte Queimada”.

“A autoria do incêndio não foi esclarecida. Uns são de opinião que os incendiários foram os degredados; outros acham que foram os próprios soldados que faziam a guarda dos criminosos nos trajetos e que desejavam acabar com aquela arriscada missão; e há quem pense que foram os índios.” (José Moreira Torres).

Trajeto da Estrada Real do Degredo 

O bandeirante paulista Antônio Dias de Oliveira, pelos idos de 1698, durante o auge das descobertas de ouro em Ouro Preto, explorou o minério em Vila Rica. Ele foi o responsável por fundar um povoado minerador que foi batizado com seu nome (Antônio Dias) e é hoje um bairro da histórica cidade de Ouro Preto.

Após alguns anos, o bandeirante partiu de Vila Rica e deslocou-se, com uma grande comitiva, água abaixo, pelo vale do rio Piracicaba. Durante anos, explorou ouro em São José da Lagoa, atual Nova Era. Em 1706, fundou o Arraial de Antônio Dias Abaixo, atual Antônio Dias. O termo “abaixo” foi utilizado para distinguir a localidade do arraial minerador homônimo de Ouro Preto.

Vila de Antônio Dias Abaixo, fundada pelo bandeirante Antônio Dias de Oliveira

Há versões de que o bandeirante Antônio Dias não fez esse deslocamento ao léu. Recebeu orientações do bandeirante Borba Gato, que, nesse período, havia se refugiado na região do rio Doce, após ter cometido um assassinato em Sabará.

De Vila Rica até Antônio Dias, o caminho foi aberto pela bandeira de Antônio Dias, já no longínquo ano de 1706. Na época da construção da estrada, em 1782, já existia uma habitação de brancos e negros em Mariana e Ouro Preto, como também em Catas Altas, Santa Bárbara, Alvinópolis, São Miguel do Rio Piracicaba, São José da Lagoa (Nova Era), São Domingos do Prata, Alfié (desde 1720) e Antônio Dias (desde 1706).

Provavelmente, de Vila Rica a Antônio Dias pode ter ocorrido, em 1782, apenas melhorias em alguns pontos da antiga trilha aberta pela bandeira de Antônio Dias em 1706.

Já de Marliéria e Bom Jesus do Galho, água abaixo, até o rio Cuieté (Conselheiro Pena), a região permanecia uma floresta densa de mata virgem sob o domínio absoluto da nação dos botocudos, que havia resistido, com sucesso, à ocupação portuguesa desde 1706 (fundação de Antônio Dias).

A abertura na mata e a construção de estrada, na realidade, se deu a partir de Antônio Dias ou Alfié rumo ao rio Cuieté. Foi preciso fazer picadas, cortes, clareiras na mata fechada do território dos botocudos.

O mais provável é que, a partir de Antônio Dias ou Alfié, a estrada atravessava a serra do Jacroá, no município de Marliéria, e seguia rumo à ponte.

O histórico distrito de Santana do Alfié provavelmente foi cortado pela Estrada Real do Degredo – Foto: Elvira Nascimento

Todavia, existe uma hipótese de que a estrada partia de São Domingos do Prata, seguia margeando o ribeirão Mumbaça água abaixo, penetrava na floresta dos botocudos e, após atravessar a atual cidade de Dionísio, passava por Baixa Verde até chegar à ponte.

O tempo e a ação da natureza, durante dois séculos e meio, apagaram os vestígios da Estrada Real do Degredo. Entretanto, a ponte construída toda de madeira em 1782, queimada em 1794, derrubada inúmeras vezes por cheias do rio Doce, agora em agosto de 2023 novamente incendiada, é o marco, o vestígio robusto e permanente da Estrada Real do Degredo. Isso em 241 anos de incêndios e enchentes.

Ponte sob domínio dos botocudos até 1824 

A ponte (Ponte Queimada) e o caminho (Estrada Real do Degredo) que ligaram Ouro Preto ao Rio Cuieté (Conselheiro Pena) foram construídos para explorar ouro. Como não foi encontrado ouro em Cuieté, tiveram um uso menos virtuoso: a travessia de criminosos e condenados que passaram a ser levados da capital Vila Rica (Ouro Preto) para o degredo, sendo abandonados nas selvas da região do Rio Cuieté.

Atribui-se aos índios botocudos o incêndio da ponte, que derivou o nome Ponte Queimada – Ilustração de Rugendas

Com a construção da ponte, bandos de exploradores intensificaram suas visitas à região. E a partir da instalação dos quartéis, em 1808, por Dom João VI, para combater os indígenas da região do Rio Doce, os militares passaram a transitar pela Ponte Queimada em seus deslocamentos entre o Quartel do Sacramento, em Bom Jesus do Galho, e o Quartel da Onça Pequena, em Jaguaraçu.

Após assumir o comando geral dos quartéis, em 1819, Guido Marlière passou a utilizar a Ponte Queimada em suas viagens do Quartel da Onça Pequena, Jaguaraçu, a sua fazenda em Guidoval, próximo a Ubá e, também, ao Quartel do Sacramento, em Bom Jesus do Galho.

Até 1824, os brancos e negros somente podiam transitar pela Ponte Queimada em grupos fortemente armados. As duas margens do Rio Doce eram habitadas pelos botocudos, que mantinham até então o domínio absoluto de toda a região. Como a ponte estava no meio do seu território, pode ser que, por ironia, os botocudos tenham feito uso da Ponte Queimada com mais intensidade que os “civilizados” no período entre 1782 a 1824″.

6 Comentários

  • Patrícia Barbosa disse:

    Sensacional! O Vale do Aço tem o privilegio de ter sua historia contada por um historiador tão competente como você.

    Parabéns por mais essa nelissima publicação!

  • Rubem Maia filho disse:

    Mais uma importante contribuição para se conhecer a história do nosso vale do rio doce. Mais uma vez, Mario, muito obrigado pela instimavel obra que vem resgatando o nosso passado. A cada dia, você me convence mais em acreditar nas palavras ditas por alguém cujo nome nao me lembro e que disse: ” Povo que nao conhece a sua historia, está condenado a revive-la.”

  • Ana Cleide dos Santos disse:

    Ah, Mário, meu carinho e minha admiração sempre!!! Vc é o maior e
    melhor sempre!!!! Chega a ser um verdadeiro tesouro essa narrativa dos fatos históricos sobre a Ponte Queimada. Estou maravilhada!

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