
Relíquia encontrada em córrego por criança, leva à primitiva fabricação de utensílios de pedra, abandonada há século na região
A história de Antônio Dias se mostra vivamente relevante e proeminente em suas diversas formas, lugares e expressões culturais. Por meio do Casarão, dos livros, de instalações históricas, como suas igrejas, casarios e fazendas, por meio de causos e memórias, ou até mesmo por meio de eventuais achados de objetos antigos, com estreita ligação com o passado local, a história do município está ali, dia após dia, sendo descoberta.

Freguesia de Nossa Senhora de Nazaré de Antônio Dias Abaixo – Foto: Acervo particular
Em cada canto e recanto do município, encontra-se marcas de um passado, onde há mais de três séculos, desbravadores por ali exploraram e se estabeleceram.
O achado de uma antiga roda de pedra parcialmente soterrada na areia de um córrego que desagua no ribeirão Santa Cruz, na localidade do Caxambu, corrobora com a afirmação acima. Este achado que nos remete a uma primitiva exploração e fabricação de artefatos doméstico e fabris, abandonada há séculos em meio à mata, é o fio da meada que levou a reportagem da Caminhos Gerais buscar as seguintes respostas: de onde veio e para que serve o antigo objeto encontrado pelo pequeno Antônio Carvalho Costa.
A roda de pedra encontrada

O antiga roda de pedra foi encontrada submersa no leito do córrego – Foto: Arquivo CG
Em um desses recônditos na área rural de Antônio Dias, o garoto Antônio e sua amiga Talita encontraram uma roda de pedra parcialmente soterrada na areia do leito do córrego. (Veja no vídeo no final dessa reportagem o empolgante momento do achado da roda de pedra). Admirados e vibrando com o achado, Antônio e Talita mal podiam imaginar para que aquele artefato histórico servia e de onde este poderia ter vindo.
A única certeza que eles tinham, é que era uma roda de pedra granítica muito pesada para carregarem – cerca de 8 quilos, esculpida à mão, com muita precisão.

Recolhida, a roda de pedra passou a ser alvo de pesquisa – Foto: Arquivo CG
Ao ser recolhida, duas hipóteses surgiram em relação ao achado: ser uma pedra do moinho de milho pertencente a Antônio Assis Fraga, conhecido como Tunico, levado por uma forte tempestade que caiu na cabeceira do córrego no ano de 2006, ou um contrapeso de um eixo motriz, fabricado artesanalmente há muitos anos atrás numa primitiva lavra pouco acima do local do achado.
A possibilidade de ser a roda do moinho foi descartada posteriormente, porque seu Tonico, então dono do moinho, não a reconheceu como parte de seu equipamento, nem mesmo parte da pequena usina hidrelétrica que ele construiu ao lado do moinho, também levada pela forte correnteza. Tonico recordava que a pedra do moinho destruído pela enxurrada havia sido encontrada pouco abaixo, entre duas grandes rochas.

Conhecida como mó, a pesada pedra do moinho de seu Tunico, levado pela correnteza, foi encontrada à distancia do local – Foto: Arquivo CG
No local do antigo moinho, um cenário natural de rara beleza, onde se forma um pequeno cânion de pedra, seu Tunico lembrou das marcas de uma antiga exploração de pedra para fabricação de panelas de pedra, pouco abaixo, sugerindo que poderia ser a origem deste artefato encontrado pelo garoto Antônio.

O antigo moinho de milho, levado pela forte correnteza da enchente localizava-se numa bela corredeira que formava um cânion – Foto: Arquivo CG
Restou apenas a segunda hipótese, ser uma peça motriz fabricada há muitos anos atrás na margem do córrego, abaixo do local do moinho, indicado por Tunico.
Percorrendo o local, a reportagem da Caminhos Gerais encontrou os vestígios relatados pelo sitiante Tunico, um antigo sítio de exploração e fabricação de panelas de pedra, pesos de balança, contrapesos e peças para uso fabril. Ali, adormecidas por longos anos, as marcas de perfurações e cortes nas rochas comprovavam que no local, uma vigorosa atividade de produção de artefatos domésticos existiu em um passado muito distante. Em um bloco de pedra sabão, coberto pelo limo, podia-se ver os moldes que seriam transformados em panelas de pedra.

No local indicado pelo seu Tunico, a reportagem da Caminhos Gerais encontra um bloco de pedra tomado pelo limo, com fortes vestígios de que ali se fabricava panelas de pedra e outros utensílios – Foto: Arquivo CG
A rudimentar exploração estava ali, abandoada ao longo dos anos, sem que nenhuma referência do período histórico fosse encontrada. Provavelmente empregava-se ali as mãos de desbravadores que por ali passaram nos mais de 300 anos de existência da cidade colonial de Antônio Dias.
Tunico com mais de 80 anos de idade, relatou ainda, que desde criança, colhendo cana para a fabricação de cachaça na Fazenda Caxambu, aquele remoto sítio de fabricação de panelas de pedra já estava ali abandonado há muitos anos. Ele acredita que a atividade primitiva é do tempo dos bandeirantes.
Ciclo da metalurgia
A arte de fabricação de panelas de pedra assim como outros diversos utensílios domésticos e fabril à base de pedra, teve seu apogeu antes mesmo da era do ferro. Com o surgimento das fábricas de ferro, especialmente no Vale do Rio Doce, no século XIX, a indústria artesanal de utensílios de pedra declinou-se.
Arraial Velho
Outro vestígio que comprova que Antônio Dias abrigou outras atividades primitivas voltadas à exploração de rochas para utensílios domésticos, é o bloco de pedra-sabão com diversas marcas e moldes de panelas encontrado na localidade de Arraial Velho. O local, onde formou o primeiro núcleo bandeirante por Antônio Dias de Oliveira, o bandeirante paulista, também fundador de Vila Rica (Ouro Preto), em 1698, é um pequeno vilarejo às margens do rio Piracicaba.

Na localidade de Arraial Velho, onde o bandeirante formou um núcleo de mineração, outro bloco de pedra preserva marcas de extração de panelas – Foto: Arquivo CG
O local é reconhecido como a origem da freguesia de Nossa Senhora de Nazaré de Antônio Dias Abaixo, criada em 14 de julho de 1832, através de resolução do Conselho Provincial. Estimava-se a presença de cerca de 2 030 habitantes na freguesia neste período.
Com a agricultura em expansão no território de Antônio Dias, e o surgimento das indústrias de ferro nas imediações das minas de minério, o Antoniodiense Antônio Pacífico, então morador da Fazenda Santana, fabricante e instalador de moinhos, engenhos e máquinas de pilar café, fabricava também peças metálicas, como argolas para rodas de carros-de-boi e de carroças, bem como eixos para equipamentos móveis.

Na virada do século XIX para o XX, as indústrias de ferro se estabelecem nas proximidades das minas de minério – Foto: Acervo Particular
Era pré-matalúrgica
Os dois antigos vestígios, comprovam que o município de Antônio Dias abrigou atividades de mineração artesanal correlacionada com a ainda hoje praticada nas regiões históricas de Mariana e Cachoeira do Campo, onde fabricam as famosas panelas de pedra-sabão.
Estes vestígios encontrados, poderão fazer referência à um importante período histórico, o período que antepõe à rudimentar metalurgia, desenvolvida na capitania antes da redução do minério ao ferro.
A conexão histórica de Antônio Dias trespassa pelos períodos do ciclo do ouro, do ciclo da manufatura, da metalurgia, da agropecuária à atual arte com a palha do indaiá, símbolo de uma identidade que preserva saberes ancestrais.
Fantástico o achado, e na grandeza de Minas Gerais, com certeza muitas outras riquezas serão encontradas. Parabéns a você Mário de Carvalho Neto e toda a equipe de pesquisadores.
Obrigado