
Impulsionada pela mineração colonial, pela atividade agropastoril e a indústria artesanal, Antônio Dias Abaixo sobressaia entre os povoados provinciais
Antônio Dias, cidade que leva o nome de seu fundador, o bandeirante Antônio Dias de Oliveira, ali chegou por volta de 1706 e montou seu núcleo de bandeirantes na localidade de Arraial Velho, há poucos quilômetros rio acima, da atual sede do município.

Edificação atribuída à casa onde morou o bandeirante Antônio Dias de Oliveira – Foto: Acervo particular
Vindo de Vila Rica (Ouro Preto) – o mais rico núcleo de mineração aurífera da Colônia, também fundado pelo bandeirante paulista – Antônio Dias de Oliveira foi sepultado na antiga igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, no centro do que veio a ser, a freguesia de Nossa Senhora de Nazaré de Antônio Dias Abaixo.
Antônio Dias Abaixo fazia referência ao bairro de mesmo nome em Vila Rica, às margens do Ribeirão do Carmo, local onde as primeiras pepitas do metal escurecido pelo oxido de ferro, fora encontrado.
O município de Antônio Dias, ao longo de seus 319 anos, experimentou diferentes períodos socioeconômicos. Do apogeu da mineração ao período da indústria artesanal, da representatividade política no centro do poder Real ao desenvolvimento agropastoril, da estagnação econômica, e agora, um momento de otimismo.

A freguesia de Nossa Senhora de Nazaré de Antônio Dias Abaixo em seu mais remoto registro fotográfico – Reproduzido do livro “Josefa e sua Gente”
Seu vasto território compreendia desde as divisas com São José da Lagoa (Nova Era), São Domingos do Prata, Itabira, Ferros, à Taquaraçu (Santana do Paraíso), na foz do ribeirão Ipanema com o rio Doce, em Ipatinga. Apesar de sua ampla área territorial, a dinâmica rural no município ocorreu apenas nas regiões altas de seu território.
Na região do baixo Piracicaba, onde localiza-se o Vale do Aço, durante longos anos permaneceu totalmente isolada e temida, por ser habitat dos bravios índios botocudos, ser infestada pela malária e ser preconizada como “área proibida”.
As regiões de Porteira Grande, dos Assis, São Joaquim da Bocaina, Cocais das Estrelas, Caxambu, São José da Barrinha, São Sebastião do Pouso Alegre (Hematita) e a sede do arraial, concentravam-se as principais atividades econômicas, como produção de cereais, bebidas alcóolicas, açúcar, rapadura, mica, ouro, mandioca, fundição, porco, galinha, os tradicionais chapéus de palha, o comércio e as trocas.

São Sebastião do Pouso Alegre, passa a denominar-se Hematita com a descoberta do minério – Foto: Arquivo CG
O minério que deu origem ao segundo nome do lugarejo, Hematita, era explorado por Sócrates Martins Fernandes e vendido em Itabira, para as forjas ali existentes.
Com a agricultura em expansão no território de Antônio Dias Abaixo, e o surgimento das indústrias de ferro nas imediações das minas de minério, o Antoniodiense Antônio Pacífico, então morador da Fazenda Santana, fabricante e instalador de moinhos, engenhos e máquinas de pilar café, fabricava também peças metálicas, como argolas para rodas de carros-de-boi e carroças, bem como eixos para equipamentos móveis.
Forte ligação comercial com Santana do Alfié
O arraial de Antônio Dias Abaixo recebia de Santana do Alfié pesadas cargas de mercadorias, que chegavam em tropas de animais. Ali, as mercadorias atravessavam o Piracicaba em canoas e botes para o comércio local.
Santana do Alfié e Antônio Dias foram os dois últimos núcleos bandeirantes da Colônia, fundados no deslocamento de desbravadores vindos de Vila Rica, descendo o Rio Piracicaba em busca de ouro. Adiante, na direção da conhecida “Região da Onça” surgiram São José do Grama (Jaguaraçu) e o Arraial de Onça Grande, depois Babilônia (Marliéia). Nestes dois rincões, sobressairam-se a agricultura de subsistência.

Santana do Alfié guarda hoje, um rico passado de ligação com Antônio Dias Abaixo – Foto: Elvira Nascimento
O intercâmbio comercial entre Antônio Dias Abaixo e Santana do Alfié é fortalecido com a construção de uma ponte de madeira sobre o rio Piracicaba. Esta, recebeu atenção do militar e civilizador Guido Thomas Marlière, que propôs:
“Os meios ao meu ver, seria contrair com quem se oferecesse para fazer à sua custa e pagar-se por meio de um tributo sobre tudo quanto se passasse pela dita ponte, dando dois soldados de linha, inválidos, para a cobrança. Determinar quanto se deve cobrar por animal e pessoas. Por outro modo, abrir uma subscrição” (Do livro “Notícias do Sertão do Rio Doce – Fernando Benedito)

Com a construção da ponte, o intercâmbio entre o arraial e Santana do Alfié intensificou-se – Foto: Arquivo Público Mineiro
Um dos estabelecimentos comerciais que se beneficiaram com a construção da ponte, pertencia ao Antoniodiense Fabriciano Felisberto de Brito. Sua loja em frente à praça da matriz, contava ao lado esquerdo com um pequeno rancho, para receber as tropas, arria-las e alimenta-las. O comerciante era também sapateiro, que mantinha no arraial uma modesta indústria de sapatos. Promovido a Coronel pela Corte, seu nome tempo depois, tornou-se o nome do então distrito de Melo Viana, atual cidade de Coronel Fabriciano.

Publicidade da “Loja Grande”, de Fabriciano Felisberto de Brito, publicada no periódico itabirano, Correio de Itabira,
Chapéu de palha
A tradicional produção artesanal do chapéu de palha, que atravessou toda a história do município, ocupou o maior número de pessoas, envolvendo famílias inteiras, inclusive crianças, colhendo a palha da palmeira indaiá na mata, cozinhando na água quente, enfumaçando no enxofre, até o cozer da trança, que costurada em espiral, transforma-se no chapéu.

Tecendo a trança à mão, na produção artesanal do chapéu de palha – Foto: Euvira Nascimento
Ainda hoje, a produção artesanal do chapéu de palha é a mais importante atividade artesanal de Antônio Dias, que por meio de novos projetos, diversificou-se em novos itens, conquistando inclusive o mercado nacional com seus belos acessórios e adornos.
A mineração
A atividade minerária em Antônio Dias teve seu apogeu nos séculos XVIII e XIX, período que deixou suas marcas e vestígios nos cascalhos de aluviões revirados às margens dos cursos d´água e nos diversos túneis escavados à mão, hoje abandonados. A primorosa e rica arte barroca preservada na igreja matriz de Nossa Senhora de Nazaré no centro da cidade também comprova a prodigialidade da mineração aurífera nas cercanias do marco religioso.
A exploração do minério de ferro pós mineração aurífera, atraiu primitivas fundições ao território, observando que nas imediações de São Joaquim da Bocaina, abrigava uma fundição que explorava o minério, que provavelmente seja da província mineralógica da atual Mina Baratinha.

Cascalhos de aluvião revirados pela mineração colonial são vestígios encontrados no município – Foto: Mário de Carvalho Neto
Festa de São Benedito, impacto na economia
A Festa de São Benedito durante anos, é marcada por uma romaria com impacto direto na economia local. São milhares de romeiros em busca do milagre que dirigem à sede do município no primeiro dia do ano.

Romeiros chegavam de todos os lugares em devoção a São Benedito – Foto: Acervo particular
Segundo relatos históricos, a tradicional romaria de São Benedito realizada no dia 1º de janeiro, tem sua origem, um milagre, acontecido no interior de um templo do arraial há mais de um século. Conta-se que um trabalhador incrédulo ao cair de um andaime na reforma da igreja, gritou “valei-me São Benedito” (Santo protetor dos negros escravos). Este, ao cair, percebeu que não havia nenhum osso quebrado ou ferimento grave, atribuindo ao santo o milagre. Este pediu ao padre a título de promessa, que todo o dia 1º de janeiro uma procissão fosse realizada ao redor da matriz.
A notícia do evento religioso rompeu fronteiras, tornando uma das maiores romarias do interior de Minas Gerais.
Produção de alimentos

Produção de ovos, quitandas, doces e produtos de origem animal, contribuiam com o orçamento doméstico – Foto: Arquivo CG
Após o declínio da mineração aurífera no início do século XIX, em 1832, o então Arraial de Antônio Dias Abaixo é elevada a distrito de Itabira, emancipando-se em 1911. A partir de então, Antônio Dias Abaixo passa a ser um expressivo centro de produção de alimentos, fornecendo cereais, rapadura, açúcar, mandioca, cachaça e toucinho para cidades do Médio Piracicaba. Antônio Dias fornecia também palha da palmeira indaiá para a próspera indústria de chapéu em São José da Lagoa (Nova Era) e capim, para a fábrica de colchão de capim no também distrito itabirano.

Engenhos como este movido a animal, da Fazenda Santana, de Antônio Assis Fraga, reforçavam a produção de bebidas alcóolicas, rapadura e açúcar – Foto: Arquivo CG
Tropeiro Leandro
Quem remonta essa história é o ex-tropeiro antoniodiense, Leandro Alexandre de Sá, que, além de cereais e bebidas alcóolicas de Porteira Grande, local onde nasceu, partia também com a tropa de Francisco de Souza carregado de palha do indaiá ou capim, passando pelas localidades de Bau, Prainha, Desembargador Drumond, até chegar em Nova Era. Alí, à margem do Rio Piracicaba, local denominado Rua Nova, uma hospedaria de tropeiros, boiadeiros, muladeiros e mercadores diversos pertencente a Quinta Honorato, abrigava também um rancho onde descarregava as tropas com produtos rurais e as regarregavam com produtos industrializados, como tecidos, querosene, medicamentos, cadernos, souvenirs etc.

O ex tropeiro Leandro Alexandre de Sá, cruzava todo o município levavando e trazendo mercadorias em lombos de burros – Foto: Elisângela da Silva
Leandro Alexandre de Sá, juntamente com outros tropeiros, foram personagens chave nessa dinâmica circulação de mercadorias, atividade de intenso labor, que garantia o intercâmbio entre a produção e o consumo humano. Leandro iniciou-se na lida de tropeiro, ainda jovem, quando se mudou para a comunidade de Moreira. Como tropeiro, Leandro tornara-se integrante de uma vigorosa rede de circulação de mercadorias e insumos além dos limites territoriais. Desde o povoado de 7 Cachoeiras, pertencente a Santana de Ferros, no Alto Santo Antônio, ao Cocais das Estrelas, Hematita, Santa Maria de Itabira, Porteira Grande, Nova Era e a própria sede Antônio Dias Abaixo, uma sinuosa malha vicinal aberta à mão, conectava os maiores centros de produção e distribuição.

Os tropeiros garantiam o intercâmbio entre a produção e o consumo – Foto: Acervo Particular
Leandro contou também que transportou muita cachaça para o depósito em Hematita, pertencente a Zé Afonso. Na Fazenda Hematita, Jesus da Percília, produzia a cachaça Pedra Roxa, e Dona Percília, a cachaça Nega Maluca.
Alguns tropeiros compravam animais na localidade de Cubas, também pertencente a Santana de Ferros. Ali, se amansavam burros e mulas para formação de tropas.
Viajando a pé e descalço, com seu velho chapéu de palha na cabeça, Leandro fazia sua comida ainda de madrugada. À base de feijão, farinha e torresmo, o tropeiro se alimentava antes do Sol nascer, alceava a tropa, e partia, vindo a viajar em média 12 léguas por dia. Quando a carga era leve, ele viajava até o anoitecer, parando para descansar apenas onde podia contar com um bom pasto para os animais se alimentarem. Em Hematita, elevado a distrito de Antônio Dias em 1923, havia uma tenda de ferreiro, que fabricava ferramentas e ferraduras em sua modesta forja. Alí, se comprava jogos de ferraduras e calçavam os animais.
Indústria de mudas frutíferas na Fazenda Cadette

Catálogo e tabela de preços de mudas do “Estabelecimento de Citricultura Cadette” de José De Caux – Acervo particular
A fazenda Cadette, cortada ao meio pela estrada que ligava Antônio Dias à Santana do Alfié, produzia mudas frutíferas, utilizando inclusive os trens da Vitória à Minas para exporta-la, tal era o expressivo volume. A fazenda abrigava o “Estabelecimento de Citricultura Cadette”, de José De Caux, filho do agrônomo francês, Raul De Caux.
O francês instalou em Santana do Alfié o famoso Vinhedo do Alfié, onde produziu vinhos nobres, os quais venceram concursos na Itália, alcançando o reconhecimento de serem os melhores do mundo. Alí, no sítio Alto Alfié, se produziu também conhaque, alcançando em 1908, premiação nacional.

Raul De Caux em sua vinícula no Alto Alfié, cuja bebida foi premiada em Turim (Itália), como o melhor vinho do mundo – Foto: Acervo particular
No Cadette, onde se plantava também algodão, iniciou-se por Raul De Caux e o professor Francisco Letro, uma relativa plantação de abacaxi para abastecer uma futura fábrica de refrigerantes com sabor da fruta. Após tentativas de viabilidade técnica, a iniciativa não foi à frente.
A economia do distrito de Antônio Dias Abaixo contou também com outras atividades industriais de pequeno porte, como a fábrica de colchões de capim do Sr. Vitalino, nas proximidades da matriz e um fábrica de velas de cera, cujo proprietário era o Sr. Basilio.
Fazenda Serra Negra
Como Leandro, o tropeiro Joaquim Vieira também transportava em animais a produção da Fazenda Serra Negra, pertencente a José Roque, nas imediações de Porteira Grande. Segundo Antônio Roque, a fazenda de seu pai produzia queijo, rapadura, galinha e engordava porco, além de cereais. Joaquim Vieira transportava toda a produção para Nova Era, sendo um burro com galinhas vivas, em balaios, em outro burro, bandas de toucinho, sapecados com folhas secas de bananeiras, noutro burro, rapadura e um quarto burro, queijo. Antônio Roque relatou que no período da Quaresma, todos plantavam amendoim para fabricar artesanalmente a famosa farinha de amendoim. Segundo ele, era um costume antigo da população consumir a especiaria, contribuindo para ser um dos produtos mais vendidos e compartilhados no período religioso. Nas imediações da fazenda, havia uma forja pertencente ao seu Leandro, que fabricava ferraduras e colheres de ferro para uso doméstico e um alambique, pertencente a Carlos Teixeira. Antônio Roque relatou que Porteira Grande era um vigoroso centro de comércio e trocas de mercadorias e animais. Dali, partiam tropas carregadas de mercadorias para todos os cantos disse. Ele disse ainda que em Porteira Grande, comercializava-se e trocava-se muitos cavalos.

Antigo sobrado, onde Antônio Roque instala seu açougue, no centro de Antônio Dias. Atualmente demolido – Foto: Acervo Particular
Antes de se mudar para Antônio Dias e montar um açougue, Antônio Roque produzia carvão na Serra Negra e vendia para Laurindo Serapião de Souza em Hematita. Segundo Roque, Laurindo, era um homem muito respeitado na localidade, e possuía um caminhão que transportava o carvão para a usina da Belgo Mineira em João Monlevade. A abundância de madeira enchia os fornos que aqueciam os negócios.
Tunico, um caixeiro viajante
Ainda jovem, trabalhando como alambiqueiro auxiliar na Fazenda Caxambu, ao lado de Sebastião Patrocínio de Souza – Tatão, quem certificava o ponto da fermentação do caldo da cana para ser destilada e transformada na antiga cachaça Caxambuina, Tunico casa-se com Maria Fraga e passa a atuar na atividade que ele mais gostava: o comércio.
Na fazenda Caxambu concentrava-se grande produção de cachaça e rapadura. Seu proprietário, o Coronel Manoel de Barros, construiu no centro da Vila de Antônio Dias uma ampla casa para morar, cognominada pela população de “mansão”, tal a suntuosidade de suas instalações. Atualmente o imóvel é um relevante centro cultural.
Nas corredeiras do Ribeirão Santa Cruz, abaixo da sede da fazenda, foi instalada a primeira usina hidrelétrica de Antônio Dias. As lâmpadas da vila eram pejorativamente chamadas de “tomate” devido a eletricidade de baixa potência, que produzia uma cor avermelhada.

A Fazenda Caxambu empregava cerca de 60 trabalhadores plantando cana, colhendo e transportando para os engenhos – Foto: Acervo Particular
Tunico passa então a vender ovos caipira embrulhado na palha de milho de casa em casa, em Coronel Fabriciano.
Numa das entregas de ovos em Fabriciano, um cliente o perguntou porque ele não aproveitava a clientela que formou na cidade e vendia outas coisas da roça. Tunico então retorna para Antônio Dias com aquele conselho fervilhando na cabeça e decide comprar um tacho de cobre para fabricar doce. Com apenas Cr$ 30,00 cruzeiros no bolso, Tunico pediu ao seu pai Cr$ 70,00 cruzeiros emprestado e compra o tacho.
Aposentado como produtor rural, Tunico guarda ainda hoje o tacho como lembrança, 50 anos depois.

Tunico com seu taxo de cobre, seu primeiro investimento, quando empreender ainda era um termo pouco utilizado – Foto: Arquivo CG
Fabricando inicialmente doce de leite, depois de mamão, cidra e goiaba, o comerciante e sua esposa fabricavam também farinha de milho torrada, farinha de amendoim socada no pilão, e queijo. Durante anos, toda a sexta-feira, Tunico pegava o ônibus ou o trem em Antônio Dias com duas sacolas feitas com palha de milho, abarrotadas de produtos da roça e descia para vende-los em Fabriciano. Os doces eram embalados em latas de leite em pó, compradas vazias no hospital, disse.

Aposentado, atravessar os trilhos da EFVM passou a ser um desafio constante para Tunico – Foto: Mário de Carvalho Neto
Vendo à sua frente uma ruralidade viva e pujante resumir-se em apenas memória, Tunico lamentava-se em recordar que no Caxambu, havia seis moinhos de milho movidos à água, equipamentos literalmente extintos nos dias atuais.

Dos seis moinhos de milho existentes no Caxambu, restaram apenas duas pedras mó, do último moinho – Foto: Arquivo CG
Ele assegurava ainda que todos as atividades produtivas na região eram familiares, como a farinheira do Vicente em Hematita. Conhecido como Vicente Farinha, este produzia artesanalmente a farinha de mandioca colhida na própria roça. Com seus três burros, Vicente transportava regularmente a especiaria para serem consumidas na sede. Até hoje Hematita é reconhecida como fabricante de farinha de mandioca de alta qualidade.
Da região dos Assis, Tunico destacou também Geraldo de Paiva que morava na localidade de Torra. Dali, Geraldo matava regularmente os capados mais gordos e os transportavam em bandas para Antônio Dias em seus 2 burros, equipados com bolsas de couro. Passava pelas fazendas Garanjanga, Chavasca e Caxambu. Ainda nos Assis, Juquinha Araújo fabricava queijo em larga escala em sua fazenda.

Fazenda Garanjanga, uma das primerias instaladas na conhecida Região dos Assis – Foto: Mário de Carvalho Neto
A Fazenda do Chavasca, de Josefa de Miranda Brito, além da criação de gado, produzia café e rapadura. No tempo em que o fogão à lenha era
Vendedores de lenha
Quando o fogão a lenha era a única fonte de calor na cozinha, o transporte de lenha em animais nas rua de Antônio Dias era uma atividade corriqueira. Raimundo Martins e Zé Capitão, lenhadores muito conhecidos, abasteciam todas as casas da vila. Mais de três burros diariamente carregados de lenha abasteciam os quintais da “rua”.
Fabricação de doces preservada pelos descendentes
Com o fim da fabricação da cachaça no Caxambu, Sebastião Patrocínio – Tatão, muda-se para Antônio Dias e inicia a fabricação de doces com frutas da região. Dessa época para cá, passando por sua filha Maria Matilde Souza Ataíde, e hoje por seus netos, Chiquinho e Leila, a tradição familiar de fabricar o doce permaneceu forte e crescente. Sob o rótulo Serra Viva, os doces continuam escrevendo sua história com seu original modo de fazer.

Maria Matilde preservou os saberes do pai, que passou para os filhos – Foto: Arquivo CG
Tunico lembra que Antônio Dias experimentou seu crescimento demográfico, a partir do século XX. Segundo ele, Neneco, Agenor Ataíde e Zeca Fortunato eram os homens mais ricos da região.
Fartura na mesa
Neste remoto período, as mercadorias que abasteciam os núcleos de povoamento chegavam de todos os cantos em lombos de burros. Os tropeiros eram responsáveis por um certo equilíbrio de demandas entre as diversas comunidades. Eles abasteciam ou exportavam a produção excedente, dinamizando a circulação de milho, arroz, feijão, café, rapadura, mandioca gordura de porco etc. Em lombo de animais, chegavam também tecidos, ferragens, armarinhos, louças, calçados, querozene e outros.
Chapéu de palha, a mais duradoura tradição
A produção artesanal do chapéu de palha em Antônio Dias, é sem dúvida a mais importante tradição artística e cultural de toda a região do atual Vale do Aço e seu colar metropolitano. Antes mesmo da formação do Calado (Coronel Fabriciano), São José do Alegre (Timóteo) e Barra Alegre (Ipatinga), este ofício que ocupava homens, mulheres e até crianças, ocupava lugar de destaque na economia da arraial.

Três gerações: mãe, filha e neta, mantêm a produção artesanal do chapéu de palha – Foto: Arquivo CG
Dentre as centenas de chapeleiras, distribuídas por todas as comunidades rurais do município, abastecidas por vastas florestas da palmeira indaiá, espécie que se estendia de Norte a Sul do território antoniodiense, dona Efigênia, conhecida como Bituca, destacava-se entre as demais pelo seu ímpeto empreendedor. A chapeleira com seus chapéus e bolsas de palha de milho, esteiras de folha de bananeira, farinhas de milho e de amendoim, doces, ovos embalados com palha, bem como chapéus de outras artesãs, embarcava nos trens noturnos da Vitória a Minas nas quintas-feiras indo até a capital mineira vendê-los na praça da Estação. Ali, dona Efigênia os vendiam em sua totalidade.

Com a mesma técnica do fazer o chapéu de palha, o Projeto Indaiá abriu novas perspectivas artesanais, marcando presença em exposições por todo o país – Foto: Projeto Indaiá no Expominas
Atualmente, o fazer com a palha do indaiá partiu para novos caminhos, além do tradicional chapéu. Tendo como centro de criação e fabricação de novos produtos, o Projeto Indaiá, utilizando a mesma técnica de trançar a palha e costura-la, diversificou para novos produtos, os quais estão conquistando mercados literalmente sofisticados. O artesanato de Antônio Dias, feito à base de palha da palmeira do indaiá, é um dos mais bonitos artesanatos do país, sendo admirados nas vitrines das mais importantes feiras de artesanatos do Brasil. Além do reforço financeiro e a valorização profissional das laboriosas artesãs do município de Antônio Dias, o artesanato com a palha de indaiá vem levando o nome da cidade à outras longínquas fronteiras.
Estação Ferroviária
Em 1927, o município de Antônio Dias é cortado pela EFVM com destino as minas de minério em Itabira, inaugurando sua estação. Com a abertura da estrada de ferro avançando, a ferrovia adquiriu um imóvel no Centro da vila, este, construído por Coronel Manoel de Barros, então proprietário da Fazenda Caxambu, instalando ali seu escritório administrativo.

Em 1927 a estação feroviária de Antônio Dias é inaugurada – Foto: Acervo particular
Sete estações são construídas no território antoniodiense, sendo as estações de Ipatinga, Calado, Baratinha, Anna Mattos, Engenheiro Sá Carvalho, Antônio Dias e Engenheiro Guillman.
Um novo impulso econômico é favorecido pela abertura da estrada de ferro. Além do expressivo número de trabalhadores da construção que acampavam nas imediações da estação e os trabalhadores permanentes da ferrovia, passageiros de varios lugarejos desembarcavam na estação ávidos para consumirem as novodades. Outra atividade que influenciou significativamente na economia local foi o fornecimento de lenha para as locomotivas da Vitóra a Minas. O empreendedor José Franquilim regularmente chegava à estação com sua tropa de animais carregada de lenha para abastecer as locomotivas.
Com a revolução do transporte, os tropeiros, predestinados a entrar para a história, pressentiam a substituição da força de suas mulas e burros pela força da caldeira a vapor das locomotivas.
Almanaque com perfil econômico
Em 1933, é lançado pela EFVM um almanaque com o perfil econômico de todas as localidades cortadas pela ferrovia, trazendo um relevante histórico econômico de Antônio Dias. Este revelava que Antônio Dias produzia anualmente cerca de 6 milhões de quilos de açúcar; 5 milhões e 300 mil quilos de mandioca; 140 mil litros de bebidas alcoólicas; água marinha, 18 mil gramas; turmalina, 11 mil gramas; ouro, 8 mil e 400 gramas e mica, 800 gramas.

Vagões de carvão da Cia. Belgo Mineira e o trem de passageiros na estação de Antônio Dias
A exploração do carvão vegetal para a Cia. Belgo Mineira e a circulação de consumidores que desembarcavam na estação ferroviária, conduziram significativos avanços na economia local.
O Vale do Aço
Após a construção da estrada de ferro, o baixo Piracicaba, então morada dos botocudos, torna-se alvo de grandes empreendimentos siderúrgicos, devido suas terras serem planas, ter abundância de água e muita madeira.
Em meados do século 20, é instalado em seu distrito Timóteo uma grande usina siderúrgica, a Aços Especiais de Itabira – Acesita. Com o forte deslocamento de antoniodienses para a região, na perspectiva de trabalhar na usina, inclusive os filhos de produtores rurais que compunha a força de trabalho no campo, a economia rural em Antônio Dias declina-se vertiginosamente.

Vítima do exodo rural, propriedades até então produtivas em Antônio Dias são abandonadas em meio à desolação – Foto: Mário de Carvalho Neto
Estagnação na virada do século XX para o XXI
Sem ouro, sem escravos, sem tropeiros e sem uma ruralidade empreendedora, Antônio Dias estagnou-se e o som de seus moinhos e engenhos calaram-se.
Atualmente, cortada também pela rodovia BR-381, tendo em suas terras uma exploração de minério de ferro e silvicultura em escala, o município respira esperança de um novo desenvolvimento, que preserve a sua história como fonte inspiradora. A população acredita que construir um futuro sem a conexão com o seu passado, sua identidade pode irremediavelmente desaparecer.

A atual Matriz de Nossa Senhora de Nazaré – Foto: Mário de Carvalho Neto

Preservado seu interior em estilo barroco, a Matriz retrata um período de fervorosa devoção e opulência – Foto: Elvira Nascimento
Atividades do passado que romperam o tempo, e que ainda hoje motivam um expressivo número de artesãos, como a produção artesanal de queijo, doces, embutidos animais, quitandas e o chapéu de palha, remetem aos gloriosos saberes que se fixaram desde aos mais remotos tempos, construindo uma identidade que o antoniodiense orgulham em sustentar.
Achei muito importante esta reportagem, veio a mente coisas que haviam caído no esquecimento, fiquei muito feliz.
Obrigado
Ótima matéria!
Com um toque cultural de alto nível, típico da revista Caminhos Gerais. Show!